Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.
§ 1º A exceção será processada em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código.
§ 2º Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.
Com a apresentação da resposta escrita à acusação (art. 396-A), deverá o juiz absolver sumariamente o réu nas hipóteses do novo art. 397 e rejeitar a denúncia pela admissão de qualquer preliminar, nos termos do art. 395 do CPP.
Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:
I – a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato;
II – a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade;
III – que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou
IV – extinta a punibilidade do agente.
A peça de resposta escrita à acusação, prevista no art. 396-A do CPP, apresenta enorme relevância dentro da nova sistemática processual, sendo de apresentação obrigatória, responsável pela inauguração do contraditório e a primeira oportunidade para o exercício da ampla defesa.2
Diferentemente da já abolida defesa prévia (antiga redação do art. 395), o instrumento defensivo insculpido no art. 396-A reveste-se de relevância exponencialmente superior, tendo em vista ser peça que busca a absolvição sumária (art. 397 do CPP), a reconsideração do recebimento da denúncia e, especialmente, o meio hábil para o acusado “arguir preliminares”, “alegar tudo o que interesse à sua defesa”, “oferecer documentos e justificações”, “especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas”.
Deve, pois, o juiz, dentro da nova sistemática, analisar as razões preliminares e de mérito sustentadas na peça do art. 396-A e, sobretudo quando a decisão for no sentido da viabilidade da ação penal, dizer os motivos (fáticos e jurídicos) pelos quais entende que o Estado está legitimado a interferir de forma tão gravosa no status dignitatis e na esfera de liberdade do indivíduo.
Nesse sentido, cumpre ressaltar que a obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais é uma das garantias do indivíduo contra o arbítrio estatal – responsável por permitir o exercício da ampla defesa – e, pela sua fundamental importância, merecedora de previsão constitucional (CF, art. 93, IX).
Além disso, pode-se dizer que a motivação das decisões judiciais afigura-se como garantia da administração da justiça em um Estado de Direito, pois permite o controle da legalidade e da imparcialidade dos provimentos jurisdicionais, e também como garantia das partes, uma vez que assegura a efetividade do contraditório, isto é, possibilita aferir se o julgador, para chegar à decisão, apreciou as provas e os argumentos trazidos pelos sujeitos do processo, abrindo-se a oportunidade para a impetração do recurso próprio ou de qualquer outro instrumento apto a reverter a decisão desfavorável.3
Antônio Magalhães Gomes Filho, em texto escrito antes da Reforma de 2008, já alertava para a necessidade de motivação da decisão que recebe a denúncia:
Assim, especialmente após a Constituição de 1988, não é possível continuar a entender-se que o provimento judicial que recebe a denúncia ou a queixa seja um mero despacho de expediente, sem carga decisória, que dispensaria a motivação reclamada pelo texto constitucional; trata-se, com efeito, de uma decisão que não pode deixar de ser fundamentada, o que, aliás, vem sendo ressaltado sem hesitações pela doutrina. (...)
Tal exigência evidencia-se ainda mais necessária naqueles procedimentos especiais em que a lei prevê uma possibilidade de defesa antes do ato de recebimento, como ocorre, v.g., nos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos (art. 513 do CPP) [...] ou nas infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 81, caput, da Lei nº 9.099, de 1995). Em todas essas situações, se há defesa, não pode o juiz simplesmente desconsiderar as alegações apresentadas, deixando de motivar a sua decisão.4
A respeito da necessidade de fundamentação da decisão que recebe a denúncia, nos procedimentos que exigem a apresentação de resposta, a jurisprudência é uníssona:
AÇÃO PENAL. Funcionário público. Defesa preliminar. Oferecimento. Denúncia. Recebimento. Decisão não motivada. Nulidade. Ocorrência. Habeas corpus concedido para anular o processo desde o recebimento da denúncia. Oferecida defesa preliminar, é nula a decisão que, ao receber a denúncia, desconsidera as alegações apresentadas.
(STF – HC nº 84.919-SP, 2ª Turma, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJe 26.03.10). (Grifos nossos.)
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. PECULATO. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. ALEGAÇÃO DE VÍCIO SOBRE A DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. PROCEDIMENTO ESPECIAL. PREVISÃO DE DEFESA PRELIMINAR. NECESSIDADE DE ANÁLISE DAS PRELIMINARES ARGUIDAS PELA DEFESA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA PARA ANULAR O PROCESSO ATÉ A DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA. PREJUDICADO O PEDIDO DE INÉPCIA MATERIAL E FORMAL DA PEÇA ACUSATÓRIA.
1. O procedimento da Lei nº 11.343/06 prevê, em seu art. 55, a apresentação de defesa preliminar pelo denunciado no prazo de dez dias.
2. Nos procedimentos especiais, em que o legislador exigiu defesa preliminar, é evidente a necessidade de motivação da decisão que recebe a denúncia, eis que, nesse tipo específico de procedimento, faculta-se à parte a manifestação pretérita ao ato decisório que deflagra a ação penal, podendo ela, inclusive, ofertar provas, tudo em homenagem ao princípio constitucional do contraditório.
3. A ausência de análise das preliminares suscitadas pelo denunciado em defesa preliminar constitui vício que macula o procedimento e requer a declaração de sua nulidade como forma de cessar o constrangimento.
4. Ordem concedida para anular o processo até a decisão que recebeu a denúncia, inclusive. Prejudicado o pedido de inépcia da peça acusatória.
(STJ – HC nº 89.765-SP, 6ª Turma, Relª. Desª. Conv. JANE SILVA, DJe 24.03. 08.) (Grifos nossos.)
Tratando-se de matéria recente, ainda são poucas as decisões dos tribunais especificamente acerca da necessidade de fundamentação da decisão proferida após a resposta escrita do art. 396-A.
Todavia, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já começou a se manifestar acerca da nova sistemática processual, ressaltando a importância da peça de resposta à acusação e da decisão motivada após a sua apresentação:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. PRETENSÃO DE PROCESSAMENTO DE EXCEÇÃO DE PRÉ-COGNIÇÃO, ANTES MESMO DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. DESRESPEITO AOS DIREITOS DE PETIÇÃO E DE ACESSO À JUSTIÇA QUE NÃO SE MOSTRAM REAIS. POSSIBILIDADE DE IMPETRAÇÃO DO WRIT, QUE PERMITE O PEDIDO DE TRANCAMENTO DE INQUÉRITO E DA AÇÃO PENAL. LEI PROCESSUAL PENAL QUE POSSIBILITA RÁPIDA RESPOSTA DO ACUSADO, ANTES DA INSTRUÇÃO E SUA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA.AUSÊNCIA DE PREVISÃO PARA O PROCESSAMENTO DA ALEGADA EXCEÇÃO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
Não constitui constrangimento ilegal a negativa de processamento de exceção de pré-cognição, não prevista na legislação processual penal.
Mesmo que admitida a possibilidade da exceção de pré-cognição, ela se mostra inoportuna quando ainda não foi oferecida a denúncia, porquanto ainda não existe uma acusação formalizada.
A impetração de habeas corpus para trancamento de inquérito ou de ação penal, no seu nascedouro, possibilita de igual modo o acesso à justiça e o direito de petição, ensejando ampla defesa ao paciente, tanto na fase do inquérito, como no decorrer da ação penal.
A reforma processual penal, ao cuidar do procedimento ordinário, trouxe normas que obrigam o juiz a fundamentar o despacho que recebe a denúncia.
É permitida, hoje, a pronta resposta à acusação, logo após o recebimento da denúncia, ensejando, inclusive, a absolvição sumária daqueles que nada devem à Justiça.
Recurso improvido.
(STJ – RHC nº 24.138-SP, 6ª Turma, Relª. Desª. Conv. JANE SILVA, DJe 02.03.09.) (Grifos nossos.)
Merece destaque, também, um leading case do Tribunal Regional da 3ª Região. Trata-se de pedido de habeas corpus, no qual a ordem foi concedida à unanimidade:
HABEAS CORPUS. PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. DEFESA PRELIMINAR. ART. 397 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONTRADITÓRIO. FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE.
1. A defesa requereu a absolvição sumária do paciente, nos termos do art. 397, incs. II e III, do Código de Processo Penal, argumentando que houve ausência de dolo e inexigibilidade de conduta diversa, tendo em vista as dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa do acusado (fls. 300-340).
2. O MM Juízo a quo determinou o prosseguimento do feito para que as testemunhas fossem intimadas, considerando que não estavam presentes as hipóteses do art. 397 do Código de Processo Penal.
3. Entre as diversas alterações introduzidas na sistemática processual penal pela Lei nº 11.719/08, destacam-se a instituição da defesa escrita ou preliminar (arts. 396 e 396-A) e a possibilidade do magistrado, após a apresentação da aludida defesa preliminar, julgar antecipadamente o mérito da ação penal, absolvendo sumariamente o acusado, nas hipóteses elencadas no art. 397 do Código de Processo Penal.
4. Cumpre ao magistrado, tanto na hipótese de absolvição sumária como no caso de seu indeferimento, decidir de forma motivada, explicitando os fundamentos pelos quais acolhe ou rejeita as teses defensivas, atendendo, assim, a norma estampada no art. 93, inc. IX, da Constituição Federal.
5. A motivação das decisões judiciais afigura-se garantia da administração da justiça em um Estado de Direito, pois permite o controle da legalidade e imparcialidade dos provimentos jurisdicionais (garantia política), e também garantia das partes, pois assegura a efetividade do contraditório, isto é, possibilita aferir se o julgador, para chegar à decisão, apreciou as provas e os argumentos trazidos aos autos pelos atores processuais (garantia processual).
6. No caso em tela, existindo questão a ser dirimida, não se pronunciou, como visto, a autoridade coatora acerca das teses expendidas na defesa escrita, deixando de consignar, ainda que de forma sucinta, as razões pelas quais não estaria evidenciada a manifesta causa excludente de culpabilidade ou a patente atipicidade da conduta por ausência de dolo.
7. A expressão utilizada na decisão objurgada (“Apresentada pelo réu a resposta à acusação, inocorrentes as hipóteses do art. 397 do CPP, designo a data...”) é, com a devida venia, por demais vazia e genérica, não enfrentando concretamente as argumentações trazidas pela defesa e a rigor, dada sua vacuidade, poderia ser utilizada em qualquer processo para arredar a absolvição sumária, o que reforça a conclusão de que se encontra destituída de fundamentação. Nas percucientes palavras do Ministro Sepúlveda Pertence, em voto de sua relatoria: “(...) a melhor prova da ausência de motivação válida de uma decisão judicial – que deve ser a demonstração da adequação do dispositivo a um caso concreto e singular – é que ela sirva a qualquer julgado, o que vale por dizer que não serve a nenhum” (STF – HC nº 78.013-RJ, DJ 19.03.99, p. 9).
8. Observo, ainda, que o prejuízo ao paciente pelo não exame das teses defensivas torna-se evidente, pois, além de vulnerar o princípio do contraditório, impede que o paciente e sua defesa técnica tenham conhecimento dos motivos pelos quais não foi concedida a “absolvição sumária”, não sendo possível, neste contexto, sequer manejar recurso próprio ou outro meio de insurgência para reverter o decisum desfavorável.
9. Anoto, por fim, que a existência de contraditório prévio, antes da prolação de sentença, não é matéria inovadora na atual quadra da sistemática processual penal, havendo a previsão de apresentação de defesas preliminares, antes do recebimento da denúncia, em diversos procedimentos especiais (como, por exemplo, no art. 81, caput, da Lei nº 9.099/95 e no art. 55, § 1º, da atual Lei Antidrogas), sendo certo que a não apreciação das teses nelas aduzidas dará azo ao reconhecimento de nulidade. Precedentes.
10. Ora, se é reconhecida a nulidade por falta de fundamentação das decisões que recebem a denúncia, em procedimentos especiais, sem a apreciação dos argumentos defensivos, a fortiori deve ser também reconhecida tal nulidade na hipótese de não enfrentamento das questões arguidas em defesa preliminar (art. 396 do CPP), já que estas poderiam ter o condão de conduzir à própria extinção do feito com resolução de mérito, reconhecendo-se, com fulcro no art. 397 do CPP, a absolvição sumária do acusado.
11. Concedida a ordem para anular a ação penal a partir da decisão de fls. 320 (numeração originária) e atos subsequentes, devendo a d. Autoridade Coatora apreciar fundamentadamente as teses expostas na defesa preliminar.
(TRF-3ª Região – HC nº 2009.0300039047-2, Rel. para o Acórdão, Juiz Federal Conv. HELIO NOGUEIRA, DJe 12.02.10.) (Grifos nossos.)
Pergunta-se: De que adiantaria a apresentação (obrigatória) de resposta escrita à acusação – com a arguição de preliminares e tudo que interesse à defesa – se não fosse o juiz obrigado a se manifestar, fundamentadamente e naquele momento, sobre as teses ali sustentadas? Por qual motivo exigir a alegação de todas as matérias de rejeição da denúncia e de mérito se o juiz só estará obrigado a se manifestar sobre todas elas na sentença (como vigorava na antiga sistemática)?
A argumentação no sentido da desnecessidade de fundamentação simplesmente carece de lógica, consistindo em uma tentativa de se criar interpretação contra legem em desfavor do acusado, mantendo-se – contra a vontade do legislador e em violação ao devido processo legal – a sistemática anterior, a qual pode parecer mais cômoda ao magistrado.
Fácil é concluir que não teria sentido conferir à defesa a possibilidade de aduzir argumentação de questões processuais e produzir teses e provas que levariam a uma “absolvição sumária”, se estas pudessem ser simplesmente desprezadas pelo julgador.
A necessidade de fundamentação da decisão proferida após a apresentação de resposta à acusação é imperiosa, sob pena de decretação de sua nulidade por afronta ao mandamento do art. 93, IX, da Constituição Federal, bem como aos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.
NOTAS
1 O projeto do novo Código de Processo Penal (PL nº 156/09), recentemente aprovado pelo Senado Federal, de um modo geral, ratifica as modificações introduzidas pelas reformas de 2008, mantendo a fase de resposta escrita à acusação, com a possibilidade de o acusado arguir “tudo o que interessar à sua defesa” (art. 273).2 Neste sentido, Eugênio Pacelli de Oliveira in Curso de Processo Penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 602-603.
3 Acerca da importância da fundamentação das decisões judiciais, valiosas as lições da doutrina: MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 514-515; FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: RT, 2007, p. 139-141; TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. São Paulo: RT, 2009, p. 189; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito Processual Penal. Tomo I. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 19-20.
4 In: A Motivação das Decisões Penais. São Paulo: RT, 2001, p. 209-210.
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