Abra-se aqui um parêntese. Não se deve confundir os efeitos do crime secundário ou de menor potencial ofensivo, o qual se insere na faixa de aplicabilidade da transação como alternativa penal, com os efeitos do crime de bagatela, o qual pode levar o promotor de Justiça a pedir o arquivamento da investigação policial, e pode também propiciar ao juiz que rejeite a denúncia ou queixa, ou pode, ainda, motivar a interposição de habeas corpus para o trancamento da ação penal, seja pelo fundamento do princípio da insignificância do fato, seja pelo fundamento do princípio da irrelevância penal do fato.
Entenda-se por crime de bagatela a infração que apresenta, na sua configuração, um desvalor, traduzido em nível ínfimo de lesão ou de perigo a determinado bem jurídico.
O crime de bagatela amolda-se ao princípio da insignificância do fato, quando o ataque ao bem jurídico é tolerável a ponto de não indicar a intervenção penal por se tratar de uma ninharia, de uma migalha. Nessa circunstância, o fato praticado é causa de exclusão da tipicidade, considerando que o desvalor ou ínfimo valor do resultado não é suficiente para se levar a sério a ponto de caracterizar o fato como típico e punível. Furtar, por exemplo, uma folha de mangueira do pomar do vizinho é uma subtração tão insignificante, tão ínfima, que não se pode englobar na tipicidade do art. 155 do Código Penal, porque seria ridículo formalizar um inquérito policial, instruir um processo criminal para lançar a carga duma sanção penal a quem simplesmente chegou ao resultado desprezível de subtrair uma folha de árvore. Como não há dispositivo legal, na legislação brasileira, reportando-se ao princípio da insignificância do fato, sua admissibilidade vem sendo posta pela doutrina moderna e cooptada pelo encaminhamento da jurisprudência.
Em outro ângulo, o crime de bagatela adequa-se, igualmente, ao princípio da irrelevância penal do fato, quando o ataque ao bem jurídico é irrisório não somente em função do desvalor ou ínfimo valor do resultado (como acontece com o princípio da insignificância do fato), visto que se leva em conta também o desvalor ou ínfimo valor da culpabilidade do agente, no contexto de seus bons antecedentes, comportamento social saudável, os motivos, as circunstâncias e as conseqüências mínimas do crime, tudo favorável à certeza da desnecessidade da pena. Nesse panorama, o fato praticado não enseja a exclusão da tipicidade, porém se trata de causa de dispensa da pena, considerando que a sua dispensa não afeta, em nada, a ordem jurídica, a tranqüilidade social e a função preventiva da sanção penal. Se o ferimento culposo foi levíssimo no braço da pessoa atingida, por um descuido momentâneo do autor, que tem bons antecedentes, é pessoa de bem na sociedade e foi premiado com a desculpa da própria vítima, não há dúvida de que o mínimo desvalor do resultado, em conjunto com o ínfimo valor da culpabilidade inerente ao motivo, circunstância e conseqüência do caso concreto, tornam o fato não punível, conduzindo, assim, ao justo reconhecimento da desnecessidade da pena, com amparo legal, no Brasil, dentro do art. 59 do Código Penal, que manda o juiz estabelecer a pena “conforme seja necessário e suficiente para reparação e prevenção do crime”.
Voltemos à abordagem da transação como alternativa penal.
Ampla discussão se tem desenvolvido na doutrina sobre a natureza jurídica da pena atribuída, na transação penal, ao autor do fato que concorda com a proposta do Ministério Público também acolhida pelo juiz, em fase preliminar antes de iniciar o processo criminal.
Homologada a transação penal por sentença do juiz, não mais se discute sobre a autoria do fato, não se profere um juízo de valor sobre a culpabilidade do autor da infração, não haverá denúncia e, por conseguinte, fica vedada a persecução criminal.
Há quem entenda, na doutrina penal, que essa transação nada mais é que a realização dum negócio jurídico civil entre o representante do Ministério Público e o autor da infração, negociação que, após homologação por sentença do juiz, ratificando as prestações assumidas (pena de multa ou restritiva de direitos), assume a feição de título executivo judicial, disciplinado pelo art. 584, III, do Código de Processo Civil Brasileiro.
Não é esse o nosso posicionamento, porque na transação, ainda que a pena seja consentida pelo autor do fato, na conveniência dum acordo preliminar para excluir o processo, essa pena consentida tem natureza jurídica de sanção penal.
É óbvio que não se trata de sentença condenatória, nem absolutória, pois não condena, nem absolve. Estamos diante da espécie jurídica de sentença homologatória com sanção consentida, sem a formalização do reconhecimento da autoria da infração e sem a indicação do juízo de culpabilidade referente ao autor do fato.
Na legislação brasileira, os efeitos da natureza dessa decisão judicial homologatória estão fixados na Lei nº 9.099, de 26.9.95, que disciplina a atuação dos Juizados Especiais Criminais e adota o instituto da transação penal.
Preceitua o art. 76 da Lei dos Juizados Especiais Criminais:
“Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.
§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o juiz poderá reduzi-la até a metade.
§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:
I – ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;
II – ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
III – não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.
§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do juiz.
§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.
§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei.
§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no Juízo Cível.”
O instituto da transação penal porta a feliz oportunidade de evitar estigmas desnecessários. Ainda que o caput do art. 76 diga que o Ministério Público “poderá” formular a proposta anote-se que, sendo satisfeitas as condições referidas no § 2º do art. 76, para o autor da infração esse direito subjetivo está assegurado, porque não faz sentido que essa iniciativa figure ao bel-prazer do Ministério Público, que tem o dever jurídico de reconhecer o direito de quem está apto a ser beneficiado com a formalização da proposta da transação.
Nos termos dos §§ 4º e 5º do art. 76 da Lei comentada, a transação penal tem de ser devidamente ratificada por uma sentença homologatória, por isso, se for aplicada medida restritiva de direito, o representante do Ministério Público deve dizer qual é essa pena, seu tempo de duração e, caso se trate de multa, torna-se necessário que ele indique o valor, dentro dos parâmetros dos arts. 49 e 60 do Código Penal.
Cabe ao autor da infração aceitar ou não a proposta. Aquiescendo, sua vontade não deve ser interpretada como reconhecimento de culpabilidade, como também não é o reconhecimento de sua inocência. Trata-se apenas de procedimento em fase preliminar, tendo por conseqüência a exclusão do processo-crime, extinguindo-se a punibilidade pela decadência, na forma do art. 107, IV, do Código Penal.
Se o juiz divergir e não homologar a transação penal, ao interessado resta o caminho do habeas corpus.
O § 5º do art. 76 admite o direito de apelação da sentença homologatória, o que poderá ser exercido com o resguardo do art. 82 da lei em análise.
Homologada a transação pelo juiz, será lavrado termo que registrará a memória do procedimento. A importância desse termo de transação é apenas para a hipótese de eventual recidiva, em infração do mesmo nível de menor potencial ofensivo, que indicará se o autor do fato fará jus ou não a idêntico benefício, em face do inciso II do § 2º do art. 76 sob comento. Ressalte-se que a transação não faz aparecer a reincidência, sendo registrada somente para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos (art. 76, § 4º).
Pela dicção do § 6º do art. 76, a pena restritiva de direitos ou pena de multa não constará de certidão de antecedentes criminais, porque não é o caso de sentença condenatória, mas homologatória de acordo. Como não é sentença condenatória, não tem eficácia executória para os fins civis, em conformidade com o art. 91, I, do Código Penal, e art. 63 do Código de Processo Penal. O ofendido tem, então, a opção de promover a ação reparatória no juízo cível competente.
Examinaremos, agora, os institutos da Diversão e da Mediação.
DIVERSÃO E MEDIAÇÃO
A procura de soluções que facilitem a aplicação da Justiça penal encontra no princípio da diversão ou desjudiciarização e no princípio da mediação utilíssimas opções para descortinar a conjugação de esforços que fomentem o emprego, em larga escala, de medidas alternativas consentidas pela consciência ético-jurídica da comunidade. Alguns países vêm empregando com freqüência esses dois institutos: França, Bélgica, Inglaterra, Portugal, Estados Unidos e Japão.
São dois institutos que trazem a vantagem da administração mais célere e mais eqüitativa da Justiça em consonância com a moderna vocação do Direito Penal no sentido de tão-só punir o que realmente ultrapasse o mínimo de tolerabilidade, colocando em perigo ou causando dano a determinados bens que o Estado precisa proteger com o juízo de censura ao infrator.
A efetivação duma estratégia de política criminal, cujo eixo gire em torno da idéia de tratar de forma diferenciada os ilícitos penais de pequena gravidade, encontra na “diversão” e na “mediação” excelentes componentes para a modernidade do Direito Penal.
A diversão ou desjudiciarização deve ser entendida como a forma de resolução dum conflito, humano, que tem a natureza de problema jurídico-penal, colimando a pacificação ou reconciliação do infrator com a vítima para o bem-estar social, sem a utilização dos procedimentos normais da Justiça penal. Assim, as situações conflituais que tenham possível solução antes da declaração da culpa ou antes da determinação da pena devem ser consideradas como diversão, no sentido preciso.
Por outro lado, a mediação não diverge, no essencial, da diversão, mas tem uma especificidade. A mediação se opera fora dos ritos jurídicos e se concretiza com o que podemos chamar de intervenção do mediador, isto é, o personagem, uma terceira pessoa, que entra no conflito para desempenhar o papel social de sugerir ou estabelecer novas pontes de comunicação entre as partes. O mediador, quando entra na relação conflitual, tem a obrigação de desencadear o fenômeno da aproximação e da reconciliação sem aplicar qualquer sanção. Utilizando uma linguagem de enfoque utilitarista, o mediador deve maximizar o útil da situação mais favorável e minimizar a desvantagem da situação mais desfavorável.
A projeção da mediação não se dirige para o contexto de grandes sociedades. O seu sentido prático de obter eficácia na resolução consensual ou cooperativa do conflito se volta, fundamentalmente, para os pequenos grupos sociais: os bairros, as empresas, as associações de classe ou comunitárias e a família.
Há três tipos de diversão: simples, encoberta, e com intervenção.
A diversão simples se verifica quando o conflito é solucionado imediatamente pela Polícia ou pelo Ministério Público. A diversão encoberta ocorre sempre que o infrator tiver consciência de que, se praticar certos atos, como indenizar a vítima, nem esta nem o Ministério Público terão motivo para processar o autor ou prosseguir com o processo. Por sua vez, a diversão com intervenção aparece quando o processo fica suspenso sob condição do cumprimento das injunções ou obrigações fixadas pelo Ministério Público e pelo juiz da causa. Na diversão com intervenção há como que um regime de prova antecipado.
Pode ocorrer, na prática, o fenômeno da diversão por meio da mediação. É o que se dá, por exemplo, em certas comunidades, como em Israel, onde antigos funcionários que antes exerciam atividades de caráter social psicológico recebem apoio do Governo para formarem núcleos capazes de resolver conflitos de pequena gravidade, por meio dum pacto ou acordo que comporta, por um lado, a promessa de não-acusação por parte do ofendido e, por outro lado, a sujeição do infrator a expressar qualquer satisfação moral ou material. Em menores proporções, esse fenômeno se observa nos pequenos núcleos sociais, gerando a noção da “mediação mitigada”, que tem por peculiaridade a atuação duma pessoa qualquer, um terceiro que, sem ser um mediador, propriamente dito, consegue apaziguar as partes em conflito, construindo um entendimento, evitando que a vítima apresente queixa ou acusação para processar criminalmente o infrator. Na família, por exemplo, o exercício desse papel na “mediação mitigada” é, em geral, desempenhado pela pessoa mais velha, que goza de respeitabilidade, se impõe pela sua integridade moral e dirige a solução de problemas que poderiam redundar em situações mais sérias.
Quando o Código Penal enumera uma gama de crimes dependentes de acusação do ofendido, isto é, dependente de uma representação da vítima, o Código Penal quer dar a chance para que se opere, em certo momento, a “mediação mitigada” por uma pessoa da família, por um terceiro que conseguiu apaziguar as partes em conflito ou até mesmo uma mediação resultante do próprio esforço pessoal da vítima que não pretende aprofundar a discórdia com quem a ofendeu.
Não se deve confundir a diversão com a descriminalização, nem com a despenalização.
A descriminalização opera-se quando o legislador subtrai determinada infração do mundo das normas penais. Observe-se que algumas dessas infrações deixam de pertencer à estrutura jurídico-penal, mas continuam a gravitar no universo do Direito, como as infrações sujeitas a “sanções de mero ordenamento social”, as quais são aplicadas pelas autoridades administrativas com mobilidade de valoração que o Estado imprime para regular a vida dos cidadãos em comunidade, disciplinando certas situações que, mesmo sem o castigo penal, não devem ficar sem proteção ou regramento.
Coisa diferente é a despenalização, que se apresenta como uma diminuição do caráter primitivo do tipo penal, em decorrência da retirada da sanção para fora dos domínios do Direito Penal. Tanto a descriminalização como a despenalização não se confundem com a diversão, pois no âmbito do fenômeno da diversão a infração penal existe, porém certos problemas que surgem, envolvendo, em decorrência, a tipicidade penal em relação a essa infração, são solucionados “diversamente”, isto é, longe do processamento formal, fora da função jurisdicional regular.
Outra distinção que se deve fazer para evitar ilações precipitadas, no conjunto das conceituações que estamos formulando, diz respeito às faixas de finalidade do Princípio de Bagatela e do Princípio da Diversão. Por Princípio de Bagatela se entende a caracterização dum tipo legal de crime, o qual, ao se ajustar à conduta do infrator, não representa nenhum constrangimento à tranqüilidade social, dada a insignificância do dano ocorrido, o que justifica a inexistência de razões de prevenção geral ou especial para a cominação de pena.
Os modernos códigos penais da Europa encontraram uma fórmula de tratar o Princípio de Bagatela. Veja-se, a propósito, o caminho perfilhado pelo art. 75 do novo Código Penal de Portugal, que firmou a política criminal de permitir que o tribunal, para os crimes puníveis com pena de prisão não superior a seis meses, “não aplique qualquer pena, se a culpa do agente for diminuta, o dano tiver sido reparado e a tal se não opuserem as exigências da recuperação do delinqüente e da prevenção geral”.
É óbvio que o Princípio de Bagatela e o Princípio da Diversão têm a mesma finalidade de afastar do formalismo judicial tradicional a punição para condutas que não se mostraram socialmente inconvenientes. Mas, enquanto na esfera do Princípio de Bagatela a pedra angular é a inexistência de razões para a cominação de pena, no conteúdo da Diversão a essência reside em se procurar a solução para um conflito, que envolva a normatividade jurídico-penal, fora dos limites de atuação da Justiça penal regular.
Nos países anglo-saxônicos, há alguns anos se vem operando uma abertura para a introdução da diversão e da mediação na estrutura dos ordenamentos jurídico-penais.
A bandeira para o exercício dessa política tem por base a adoção do princípio da oportunidade, ou seja, a conveniência de aplicar a diversão ou a mediação, no que tange às pequenas infrações, quer ao nível da polícia, quer ao nível da atuação do Ministério Público, quer ao nível do próprio tribunal.
Na linha dessas características, os países do Common Law lançaram as modalidades da Plea Bargaining e da Guilty Plea.
A NEGOCIAÇÃO ENTRE AS PARTES NO PROCESSO (PLEA BARGAINING)
A Plea Bargaining é a negociação entre o infrator (podendo ser representado por seu advogado), o representante do Ministério Público e o juiz, às vezes até com a participação da própria vítima, para encontrar uma conclusão-solução, dentro do processo, em torno do objeto da acusação. Nos Estados Unidos, a plea bargaining já vem sendo bastante aplicada no funcionamento da Justiça penal. Um exemplo dá a idéia desse instituto. Digamos que o delinqüente aceite a culpa por um crime de homicídio simples, quando, em verdade, ele cometeu um homicídio qualificado. O próprio Ministério Público, tendo dificuldades de provar o homicídio qualificado, não contesta a punição por homicídio simples. Verifica-se, pois, como em qualquer negociação, uma cedência das partes envolvidas, ressaltando-se que, para o Ministério Público, passa a ter relevância, diminuir o risco de incerteza da decisão judicial. Cabe, então, ao juiz coonestar uma espécie de negócio processual que contou com a adesão das pessoas diretamente incluídas no caso.
CONFISSÃO EM BENEFÍCIO DE PENA MAIS BENIGNA (GUILTY PLEA)
A Guilty Plea é a confissão do culpado, que se constitui no ponto axial do processo jurídico-penal, porque favorece a aplicação de pena bem mais benigna. Cite-se, como exemplo, a confissão do traficante, em troca de o Ministério Público isentar sua esposa da acusação do crime de associação ao tráfico. Nos países do Common Law e nos Estados Unidos, muitas das confissões são precedidas, em geral, pela plea bargaining, o que pode gerar, se houver interesse do juiz e do representante do Ministério Público, o encerramento do caso com a negociação entre as partes. Todavia, em apuração de crimes com muito grande ressonância social, o prosecutor (representante do Ministério Público) não tem aceito o plea bargaining, pois prefere que se cumpra todo o ritual, isto é, que a decisão surja da instrução e julgamento do processo, para que os cidadãos vejam que a Justiça funciona de forma transparente. Isso mostra que as regras do jogo são alteradas conforme as conveniências táticas ou estratégicas que envolvem a projeção da imagem da Justiça perante a comunidade.
Urge salientar que a plea bargaining e a guilty plea são muito bem aceitas pelas sociedades dos países do Common Law, porque entendem que esses sistemas são bem consentâneos à defesa dos direitos e da liberdade dos cidadãos. Por outro lado, conseqüências positivas estão sendo testadas, como, por exemplo:
a) maior dinamização da política criminal;
b) maximização da eficácia do Poder Judiciário;
c) otimização do caráter pedagógico da decisão com o reforço da conscientização do infrator para não reincidir;
d) celeridade à aplicação da Justiça penal;
e) a participação assumida do delinqüente, o que, além de facilitar o trabalho da sua reintegração social, satisfaz a necessidade de maior rapidez na aplicação da Justiça penal, sem gerar prejuízo para a Justiça formal.
Por outro lado, tendo em conta os resultados práticos, algumas críticas são lançadas à estrutura do plea bargaining:
a) manifesta desigualdade no que tange à posição do infrator, sobretudo se é pobre, em face de todo o aparelhamento do Ministério Público que o acusa;
b) falta de publicidade que envolve as negociações, daí certas suspeitas de coação sobre o acusado;
c) a estigmatização lançada sobre o infrator que recusa a plea bargaining, o qual passa a ser considerado incômodo ou perturbador, fato que lhe pode acarretar condenação penal mais rígida.
TRANSAÇÃO PENAL FRENTE ÀS INSTÂNCIAS FORMAIS DE CONTROLE
Situemos, agora, os sistemas da diversão e da mediação frente às instâncias formais de controle: polícia, Ministério Público e Poder Judiciário.
A polícia é a instância formal que mais diretamente lida com a experiência real do dia-a-dia, em função da natureza propícia da sua organização para obter soluções e abrir entendimentos entre as pessoas que vivem seus problemas na comunidade. No Canadá, por exemplo, a polícia, no que toca às pequenas infrações cometidas por jovens, desenvolve um papel relevantíssimo, quer com a dissuasão, quer com a polida admoestação em muitos casos, não graves, que abrangem infrações de trânsito, rixas, excesso de álcool e violação de certos costumes preservados pela sociedade canadense. Justamente para estimular os programas da diversão no âmbito da polícia, o Governo do Canadá criou o Community Kit for the Development of an Adult Diversion Program. Por esse programa, ainda que o caso esteja sendo debatido na esfera policial, os órgãos especializados em desjudiciarização, como o Ministério Público e as associações de comunidade, têm papel relevante no emprego da técnica da diversão, de modo a propiciar resultados eficazes para o infrator, para a sociedade, e possa satisfazer os interesses da vítima.
A mesma tendência se verifica nos Estados Unidos, onde a American Arbitration Association e o Institute for Mediation and Conflict Resolution subsidiam projetos que promovem a alternativa da diversão, no plano em que o conflito pode ser resolvido na instância formal da polícia. A eficácia ou ineficiência desse emprego de desjudiciarização contribui, grandemente, para a imagem que cada comunidade tem da polícia nos Estados Unidos: ou ela assume uma postura ético-social como instituição apaziguadora e redutora de conflitos (por isso mesmo não somente repressora, ampliando as margens de prevenção da criminalidade), ou será olhada com desconfiança pela comunidade, se for incapaz de representar bem o seu papel de árbitro. Fracassando a polícia nesse mister, cabe a opção de buscar a negociação dos conflitos no plano das instâncias judiciais.
No nível do Ministério Público, a experiência norte-americana com a técnica da diversão é muito interessante. O Prosecutor (promotor público) tem alta significação dentro do aparelho judicial nos Estados Unidos, só podendo ser demitido por abuso ou desvio de poder. Ele tem competência legal para só levar adiante o processo quando se convence, perante os indícios ou provas disponíveis, de que há razoável possibilidade de manter a acusação perante o juiz para, afinal, requerer a imposição da pena decorrente do juízo de censura à falta cometida. No âmbito da flutuação que a negociação do plea bargaining permite, o prosecutor pode, com o livre convencimento, encaminhar o arquivamento do caso, como pode optar pelo cumprimento rigoroso de todo o normal processamento da máquina judicial, notadamente quando é grande o alarme, a comoção com fortes pressões da opinião pública, ainda que o
acusado preferisse a via da plea bargaining, dispondo-se a confessar o crime (guilty plea) ou ajudando no desvendamento do caso.
Compreendido o funcionamento da diversão no que tange ao Ministério Público, cabe assinalar que, na esfera da própria atuação do Poder Judiciário, o fenômeno da diversão tem de ocorrer antes da conviction (condenação) da Justiça ou do tribunal. Nessa ótica, a diversão significa, nos Estados Unidos, a paralisação ou suspensão do processo antes da sentença, estabelecendo o juiz ou o tribunal determinadas condições para beneficiar o
acusado, que pode até mesmo ser submetido a um tratamento ou atividade terapêutica.
É por isso que se diz que a diversão operada na esfera do Poder Judiciário assume as características dum “regime de prova” antecipado, pois o infrator está sujeito a cumprir condições como, por exemplo, cura pela desintoxicação do álcool ou de droga, desculpar-se pelas ofensas proferidas (injúrias, calúnias ou lesões corporais) e indenizar ou recompensar a vítima.
BIBLIOGRAFIA
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Marty, Mireille Delmas. Modelos e Movimentos de Política Criminal. Tradução de Edmundo Oliveira, Rio de Janeiro, Revan, 1992.
Pablo de Molina, Antonio Garcia. Derecho Penal: Introducción. Madri, Facultad de Derecho, 2000.
Poncela, Pierrette. Droit de la Peine, Paris, Press Universitaires de France, 1995.
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