segunda-feira, 21 de março de 2011

As penas alternativas no direito brasileiro - Parte I

No Direito Penal Brasileiro, as penas alternativas são tratadas, tecnicamente, como penas restritivas de direitos trazendo o escopo de cercear o exercício de certos direitos subjetivos ou até de meras faculdades. A palavra direitos está empregada em sentido amplo. Tais penas não são acessórias a outras penas. São, entretanto, sanções independentes que substituem as penas privativas da liberdade aplicadas pelo juiz em determinados casos.

O Código de Trânsito do Brasil prevê, expressamente, penas restritivas de direitos nas suas normas penais incriminadoras. Todavia, no Código Penal, as penas restritivas de direitos são sempre aplicadas pelo critério de substituição (art. 54 do CP), ou seja, infligida uma pena privativa de liberdade, pode o Magistrado substituí-la por uma pena restritiva de direitos, se presentes os requisitos prenunciados no art. 44, seus incisos e §§ 2º e 3º, do Código Penal.
A Lei nº 9.714, de 25.11.98, deu nova fisionomia aos arts. 43 a 45 do CP, visto que aumentou o número de penas alternativas, com caráter de substituição da pena privativa de liberdade, chamando essas penas alternativas de penas restritivas de direitos.
A reforma introduzida preservou a expressão penas restritivas de direitos, todavia nem todas as sanções, elencadas no art. 43 do Código Penal, são, efetivamente, penas restritivas de direitos.
Passemos, então, a examinar a matéria à luz do Código Penal.

PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS

“Art. 43. As penas restritivas de direitos são:
I – prestação pecuniária;
II – perda de bens e valores;
III – prestação de serviço à comundiade ou a entidades públicas;
IV – interdição temporária de direitos;
V – limitação de fim de semana.”

Todas essas penas restritivas de direitos são aplicáveis aos crimes e às contravenções, independentemente de qualquer previsão legal na Parte Especial do Código Penal.
Por outro lado, cumpre aclarar que nem todas essas sanções enumeradas no art. 43 do CP, são apenas restritivas de direitos, vez que, saliente-se, a prestação de serviço à comunidade é uma forma de restrição à liberdade do condenado, enquanto a limitação de fim de semana pode implicar a exigência de cumprimento de pena privativa de liberdade.

O PROCESSO DE SUBSTITUIÇÃO E DE CONVERSÃO DAS PENAS

“Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
II – o réu não for reincidente em crime doloso;
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.
§ 1º (Vetado).
§ 2º Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.
§ 3º Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.
§ 4º A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de 30 (trinta) dias de detenção ou reclusão.
§ 5º Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior.”
Esse art. 44 do CP, está de acordo com a nova redação ditada pela Lei nº 9.714, de 25.11.98.
A característica básica da natureza das penas restritivas de direitos é que elas são autônomas, não são acessórias, podendo ser aplicadas isoladamente.
Observe-se que, em primeiro lugar, o juiz fixa a pena privativa de liberdade para depois substituí-la por uma alternativa restritiva de direitos.
Em hipótese alguma, a pena restritiva de direitos pode ser cumulada com uma pena privativa de liberdade.
Estando presentes os pressupostos ou condições de admissibilidade, a pena restritiva de direitos torna-se um direito subjetivo do réu.
Sempre que houver razão para o juiz negar a substituição, ele tem obrigação de fundamentá-la.
Pressupostos ou condições inseridas no art. 44 do CP, os quais devem existir simultaneamente:
a) é necessário que a pena privativa de liberdade imposta na sentença, pela prática de crime doloso, não seja superior a quatro anos (art. 44, I, do CP);
b) em se tratando de crime culposo, qualquer que seja a quantidade da pena detentiva, pode ela ser substituída por pena restritiva de direitos ou multa, desde que presentes as circunstâncias pessoais favoráveis (art. 44, I e § 2º, do CP);
c) exige-se que o réu não seja reincidente em crime doloso (art. 44, II, do CP), observada a exceção para o condenado reincidente prevista no § 3º do art. 44 do CP;
d) é imprescindível que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias da situação indiquem a conveniência da substituição (art. 44, III, do CP).
No art. 44, I, do CP, a sanção referida é a pena concreta, determinada na sentença condenatória, não se cogitando de pena abstrata.
A condição de que o crime não tenha sido cometido com violência não deve impedir o benefício em caso de lesão corporal leve dolosa, porque isso está incluído no rol das infrações consideradas de menor potencial ofensivo. Aliás, o legislador brasileiro deveria ter sido claro, fixando, no Código Penal, que as infrações penais de menor potencial ofensivo admitem penas alternativas restritivas de direitos. Nesse sentido, o mesmo raciocínio em relação à lesão corporal leve dolosa serve também para a tipificação do art. 147 do CP que trata do crime de grave ameaça (causa também de impedimento de pena alternativa) quando constituir, no caso concreto, infração considerada de menor potencial ofensivo.
No que tange aos crimes hediondos alumie-se que as penas alternativas restritivas de direitos não são complementos incompatíveis com essas modalidades graves de delitos. Entre as possibilidades de aplicação, é perfeitamente cabível, por exemplo, no caso de tentativa de atentado violento ao pudor, quando imposta a pena mínima.
Ainda que o art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072, de 1990 estipule que a pena pelo crime hediondo deva ser executada integralmente em regime fechado, não gera contradição, quando o juiz opta pela substituição da pena de prisão por pena alternativa. A natureza jurídica da pena alternativa não se coaduna com regimes de pena privativa de liberdade fechado, semi-aberto ou aberto. Assim sendo, se o juiz decide aplicar pena alternativa, não prevalece a obrigação de seguir o rito dos regimes de prisão.
Pela regra do art. 44, I, do CP, ocorrendo crime culposo, é sempre possível a aplicação da pena alternativa, seja qual for a quantidade de pena privativa de liberdade inicialmente impingida ao réu.
Abordemos a constatação da reincidência.
De acordo com o art. 44, II, do CP, deve-se considerar a reincidência pela somatória da sentença condenatória transitada em julgado mais o novo delito praticado. Ambos os crimes têm de ser dolosos. O § 3º fixa que, se o condenado for reincidente, a substituição somente pode ser levada a efeito, caso a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se verifique em virtude da prática do mesmo crime. Entenda-se por mesmo crime a indicação daquele que apresenta as mesmas circunstâncias elementares, seja tipo simples, seja tipo privilegiado, seja tipo qualificado, em situação de crime tentado ou consumado.
Como o art. 44, II, do CP, se refere ao não reincidente em crime doloso, o juiz tem liberdade para atribuir pena alternativa, quando os delitos forem culposos, ou quando um crime for doloso e o outro culposo. Já em hipóteses de dois crimes preterdolosos, há o impedimento do benefício da pena alternativa, pois o primeiro crime, dessas conjugações, é sempre doloso. Em se tratando de multa, caso o agente seja reincidente em crime doloso, também não se opera a substituição.
Ainda no que tange à reincidência, lembremos a necessidade de se atentar para o preceito do art. 64, I, do CP, que diz não prevalecer, para efeito de reincidência, a condenação anterior, quando, entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior, venha a decorrer período de tempo superior a 5 anos, computado o período de prova da suspensão da pena ou do livramento condicional, se não sobrevier revogação.
O inciso III do art. 44 do CP, traz a observação de que algumas das circunstâncias judiciais, que fornecem diretrizes para a fixação da pena no art. 59 do CP, contribuem também para a operação de se substituir a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos. Assim, é imprescindível que a culpabilidade, os antecedentes, a personalidade e a conduta social do infrator, além das circunstâncias e motivos e conseqüências do crime, favoreçam a procedência da substituição.
O § 2º do art. 44 do CP, considera que, na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição da pena privativa de liberdade pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos. Caso a condenação seja superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou, então, por duas restritivas de direitos.
A consistência e a aplicação da multa como pena substitutiva devem seguir as orientações fixadas nos arts. 49 e 60, do CP.
Em decorrência da Lei nº 9.714, de 25.11.98, ficou derrogado o § 2º do art. 44 do CP, que admitia a substituição da pena detentiva de até seis meses. Atualmente, a multa substitutiva tem cabimento quando a condenação à prisão for igual ou inferior a um ano
O § 3º do art. 44 do CP, se dirige para o condenado reincidente. Lembremos, que, de acordo com o art. 63 do CP, para que se configure a reincidência é necessário que o condenado, por sentença transitada em julgado, pratique novo crime.
Na hipótese do condenado ser reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição da pena privativa de liberdade, desde que, em face da condenação anterior, a medida substitutiva seja socialmente recomendável e, além disso, a reincidência não se tenha verificado em decorrência da prática do mesmo crime.
O § 4º do art. 44 do CP estabelece a medida de conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade, sempre que ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta pelo juiz na sentença. Quando o descumprimento for total, a conversão será total. Quando o descumprimento for parcial, a conversão será parcial.
A conversão somente alcança as penas restritivas, previstas no art. 43, pois as mesmas admitem a transmutação, ou seja, a mudança operacional. Por outro lado, a conversão não alcança a multa, que, embora seja uma pena alternativa pecuniária, não está inserida como pena restritiva de direitos. Em conformidade com o art. 51 do Código Penal, o não-pagamento da multa deve ser inscrito como dívida ativa em favor da Fazenda Pública e, assim sendo, tal efeito adquire caráter extrapenal ante a possibilidade de execução a ser promovida pela Fazenda Pública.
Situemos a questão da detração penal face a medida de conversão fixada no § 4º do art. 44 do CP.
Como sabemos, a detração penal implica em abatimento ou dedução do tempo cumprido de pena. De acordo com a nova orientação ditada pela Lei nº 9.714, de 25.11.98, verificando-se a conversão, na pena privativa de liberdade a ser executada será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão (parte final do § 4º do art. 44 do CP).
Essa limitação do saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão pode gerar injustiças. Veja-se o exemplo do réu condenado a prestar serviço à comunidade por três meses. Se ele cumpre apenas dois meses e quinze dias, advindo a conversão, terá de ficar, pelo menos trinta dias na prisão, tempo superior ao débito real pelo não-cumprimento total da pena de prestação de serviço à comunidade. A detração penal deveria ser sempre correspondente ao débito real do condenado.
A Lei de Execução Penal, no art. 181, inclui outras causas de conversão:
“LEP – Art. 181. A pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade nas hipóteses e na forma do art. 45 e seus incisos do Código Penal.
§ 1º A pena de prestação de serviços à comunidade será convertida quando o condenado:
a) não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desatender a intimação por edital:
b) não comparecer, injustificadamente, a entidade ou programa em que deva prestar serviço;
c) recusar-se, injustificadamente, a prestar o serviço que lhe foi imposto;
d) praticar falta grave;
e) sofrer condenação por outro crime à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.
§ 2º A pena de limitação de fim de semana será convertida quando o condenado não comparecer ao estabelecimento designado para o cumprimento da pena, recusar-se a exercer a atividade determinada pelo juiz ou se ocorrer qualquer das hipóteses das letras a, d e e do parágrafo anterior.
§ 3º A pena de interdição temporária de direitos será convertida quando o condenado exercer, injustificadamente o direito interditado ou se ocorrer qualquer das hipóteses das letras a e e do § 1º deste artigo”.
O § 5º do art. 44 do CP, trata da conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade, na hipótese de sobrevir nova condenação a prisão (condenação superveniente) por outro crime. Nesse caso, o Juiz da Execução Penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la, desde que seja possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior. Ressalte-se que somente uma sentença condenatória irrecorrível motiva a conversão. A condenação sujeita a recurso não tem efeito conversivo.
É preciso verificar a compatibilidade entre as duas penas (a que está sendo cumprida e a nova por outro crime) para que o juiz aplique ou não a conversão. Veja-se, por exemplo, que o condenado, que está cumprindo uma pena restritiva de interdição temporária de direitos (como a suspensão de habilitação para dirigir veículo), não fica impedido, mesmo com a prisão pelo outro crime, de continuar pagando a interdição decretada pelo Juiz, então, assim sendo não há razão para a conversão. Por outro lado, havendo incompatibilidade entre as duas penas, deve haver a conversão. É o caso do infrator que cumpre uma pena restritiva de limitação de fim de semana. Sendo ele condenado à prisão por outro crime, não poderá, simultaneamente, continuar a cumprir a pena restritiva anterior de limitação de fim de semana.
Convém anotar que não importa o tempo da prática do crime motivador da conversão, seja ele cometido antes ou durante o cumprimento da pena restritiva de direitos determinada em uma sentença.
Caso sobrevenha pena de multa ou condenação a nova pena restritiva, durante o cumprimento de uma pena alternativa, não se opera a conversão, porque o § 5º do art. 44 do CP demanda condenação a pena privativa de liberdade pelo cometimento de outro crime.
Registre-se, ainda, que, sendo constatada ou não a reincidência, na forma do § 5º do art. 44 do CP, esse fato é irrelevante para o procedimento da conversão.

BIBLIOGRAFIA
Dotti, René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema de Penas, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1988.

Gomes, Luiz Flávio. Penas e Medidas Alternativas à Prisão, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999.

Mestieri, João. Manual de Direito Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1999.

Oliveira, Edmundo. O Futuro Alternativo das Prisões, Rio de Janeiro, Forense, 2002.

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