Em cada um dos regimes patrimoniais até agora examinados, identifica-se uma determinada característica que se presta a dar-lhes individualidade e a diferenciá-los entre si. A comunhão parcial1 institui como marco inicial para a formação de uma massa comum o surgimento do vínculo matrimonial. A comunhão universal2 enseja a formação de um patrimônio único integrado por bens anteriores e posteriores ao casamento, salvo as exceções que a própria lei estipula. A participação final nos aqüestos3 é regime em que se tem patrimônios individualizados e que assim permanecem durante o casamento, admitindo, no entanto, por ocasião da dissolução da sociedade conjugal, a apuração de bens adquiridos pelo casal com o esforço comum para efeito de partilha.
O regime da separação de bens, regulado de forma simples e bem objetiva nos artigos 1.687 e 1.688 do Código Civil, denota ser o regime que decerto mais se harmoniza com a real natureza do vínculo matrimonial, como bem acentua Bridel, citado por Washington de Barros Monteiro, quando assevera que o casamento não pode consistir na anulação de uma individualidade em proveito de outra, e sim, deve consistir no recíproco respeito de duas individualidades juridicamente iguais4.
Há na doutrina, todavia, quem sustente que essa condição patrimonial individualizada que se firma por meio da eleição desse regime apresenta-se em claro confronto e dissociado dos fins do casamento, onde o que se busca e se almeja é o compartilhamento de tudo quanto a ele esteja relacionado e dele decorra. Pode-se afirmar que a emprestar consistência a esse raciocínio, o Código Civil contempla em disposições expressas que “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges” (artigo 1.511), sem deixar de asseverar que por meio dele “... homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família” (artigo 1.565), conferindo-lhes, dentre os diversos deveres, o de mútua assistência que também detém, é certo, conteúdo de ordem patrimonial (artigo 1.566, III).
Resulta induvidoso, no entanto, que mesmo considerando tão abalizados entendimentos, resta assegurado aos nubentes pelo sistema normativo em vigor optarem livremente pelo regime que melhor consultar aos interesses comuns, salvo em determinadas hipóteses quando a lei impõe justificada limitação compelindo-os a adotarem o regime da separação de bens. Afora isso, são livres para deliberar a respeito e elegerem aquele regime que mais lhes convier.
CONCEITUAÇÃO E ELEMENTOS CARACTERÍSTICOS
Trata-se de regime patrimonial em que se observa claramente que os cônjuges preservam a propriedade e a administração dos bens que integram a massa patrimonial que já lhes pertencia ao contraírem o vínculo matrimonial e que assim permanecerá durante todo o seu tempo de duração, não se prevendo a comunicação de quaisquer bens, ou mesmo de dívidas anteriores e posteriores ao casamento. Silvio Rodrigues assevera que o “regime da separação é aquele em que os cônjuges conservam não apenas o domínio e a administração de seus bens presentes e futuros, como também a responsabilidade pelas dívidas anteriores e posteriores ao casamento”5.
Sílvio de Salvo Venosa informa que “característica desse regime é a completa distinção de patrimônio dos dois cônjuges, não se comunicando os frutos e aquisições e permanecendo cada qual na propriedade, posse e administração de seus bens”. Acrescenta, ainda, que “Esse regime isola totalmente o patrimônio dos cônjuges e não se coaduna perfeitamente com as finalidades da união pelo casamento”6. Rolf Madaleno, inovando na forma de referir-se ao tema em comento, registra que “A doutrina informa que o regime da separação de bens representa em efeito a ausência de um regime patrimonial, caracterizado justamente pela existência de patrimônios separados7. Clóvis Beviláqua anota que o que caracteriza esse regime é a completa separação de patrimônio dos dois cônjuges, nenhuma comunicação se estabelecendo entre as duas massas, os dois acervos8.
O Código Civil de 2002, ao regular o tema, prescreve que “Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real” (artigo 1.687), emprestando, assim, consistência às diversas definições construídas a respeito pela doutrina especializada e anteriormente referida e realmente instituindo um regime em que elementos de diferenciação são claramente detectados. A adoção desse regime confere a cada cônjuge, pelo que se percebe, domínio pleno sobre os bens que integram o seu patrimônio e, também, assegura ampla autonomia na gestão e na fruição livre e desembaraçada dos mesmos.
Forçoso notar, pois, que nesse regime de bens não se comunicam entre os cônjuges os bens anteriores ao casamento e que incomunicáveis permanecem durante sua vigência os frutos deles auferidos, assim como não se transferem os bens e frutos adquiridos e obtidos após o início da relação matrimonial. Formam-se, com o matrimônio, duas massas patrimoniais individualizadas e que assim se mantêm durante todo o tempo em que durar o casamento.
ADOÇÃO OBRIGATÓRIA DO REGIME DA SEPARAÇÃO
Adotar o regime da separação de bens, conforme se pode concluir pelo que anteriormente restou exposto, é, em princípio, uma faculdade para os nubentes que, por meio de pacto antenupcial, terão liberdade para regular o regime patrimonial que mais adequado se mostre para ambos. Diga-se, todavia, que essa opção que é legalmente assegurada nem sempre poderá ser livremente exercida. Em determinadas circunstâncias ter-se-á que obrigatoriamente eleger o regime da separação de bens.
E isto ocorrerá sempre que se façam presentes, como já restou dito alhures, as situações aludidas no artigo 1.641 do Código Civil de onde se extrai que a adoção obrigatória desse regime patrimonial terá que ser exercitada quando: I – as pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento previstas no artigo 1.5239; II – da pessoa maior de sessenta anos, seja homem ou mulher; e, ainda, III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial10.
ASSUNÇÃO COMUM DOS ENCARGOS DOMÉSTICOS
Ao referir-se à eficácia do casamento, preocupa-se o Código Civil em regular os efeitos decorrentes do ato matrimonial e, dentre outros aspectos específicos, estabelece que são os cônjuges obrigados a concorrer para o sustento da família e para a educação dos filhos na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, seja qual for o regime patrimonial que tenha sido por eles adotado oportunamente (artigo 1.568). Essa divisão proporcional de despesas encontra amparo no princípio da plena igualdade entre os cônjuges, reiterado e normatizado no âmbito do Código Civil.
Embora nenhuma outra disposição se fizesse exigível para regular a responsabilidade desse encargo comum e que naturalmente se estabelece e decorre da formação do vínculo matrimonial, opta o Código Civil, por meio da regra inscrita no artigo 1.688, por renovar a orientação que adota a respeito, estatuindo que, mesmo quando se tenha adotado o regime da separação de bens, são obrigados os cônjuges a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, embora admita expressamente estipulação de forma diversa, inscrita esta em convenção antenupcial.
NOTAS
1 “Artigo 1.658. No regime da comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.”2 “Artigo 1.667. O regime da comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.”
3 “Artigo 1.672. No regime de participação final nos aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.”
4 Curso de Direito Civil, v. 2, 37. ed., São Paulo, Saraiva, 2004, p. 215.
5 Direito Civil, Direito de Família, v. 6, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2002, p. 215.
6 Direito Civil, Direito de Família, v. 6, 2. ed., São Paulo, Atlas, 2002, p. 193.
7 Direito de Família e o Novo Código Civil, Coordenação Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, 4. ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2005, p. 191.
8 Citado por Washington de Barros Monteiro. Op. cit., p. 215.
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