segunda-feira, 21 de março de 2011

O PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE

Lei nº 10.444/02 introduziu o § 7º no artigo 273 do Código de Processo Civil, admitindo, desta maneira, a confusão entre a tutela antecipada e a tutela cautelar, e adotou o princípio da fungibilidade para estes institutos.

A referida posição assumida pelo legislador tem gerado muitas dúvidas e questionamentos acerca deste princípio e seu novo emprego, fazendo com que seja necessário um profundo estudo sobre o tema.
Assim, primeiramente, é importante entender o conceito de fungibilidade: “este termo, em acepção tecnojurídica da palavra significa a propriedade que é substituível, i.e., que pode – em razão de sua natureza, de suas qualidades ou de suas funções – sofrer uma permutação, que elimina o objeto inicialmente existente ou que, conservando-o embora (com maior ou menor alteração), provoca uma modificação na função, qualidade ou conse-
qüências que, de origem, poderia deter ou provocar” (Enciclopédia Saraiva, v. 39).
Desta maneira, o princípio da fungibilidade vale para a possibilidade de troca entre dois institutos jurídicos quando o fim para que são constituídos permite e a lei autoriza, o que acontece nos recursos e nas ações possessórias no Direito Civil pátrio.
Neste ensejo, mister é também analisar os dois tipos de tutela citados no referente parágrafo.
A tutela cautelar é a ferramenta de conservação dos componentes do processo. É ela que protegerá as pessoas, as coisas e as relações jurídicas envolvidas ao litígio ao longo do tempo necessário para a solução da lide.
Ela estará sempre ligada a um processo principal e os objetos protegidos pertencem sempre a ele. É um tipo de tutela jurisdicional e é obtida através da ação cautelar, que pode ser instaurada antes ou no curso deste processo principal. No primeiro caso será chamada de incidental e no segundo de instrumental.
O deferimento da tutela cautelar depende de dois pressupostos, que são o periculum in mora e o fumus boni iuris. O primeiro, que é o perigo da demora, é a probabilidade de dano a uma das partes de futura ou atual ação principal, resultante da demora do ajuizamento e julgamento de determinada ação. O segundo requisito, que é a fumaça do bom direito, é a probabilidade ou possibilidade de existência do direito invocado pelo autor da ação cautelar e que justifica a sua proteção, ainda que em caráter hipotético.
Já tutela antecipatória tem a finalidade de tornar imediatamente exeqüível a providência jurisdicional pretendida pelo requerente, de modo a dispensá-lo de ter de aguardar o trânsito em julgado da sentença para usar a execução, ou seja, ela antecipa os efeitos da sentença final de mérito.
Assim, é a antecipação de tutela que no mandado de segurança suspende a execução do ato administrativo legal ou nulo, que, na ação de inconstitucionalidade, suspende o cumprimento, provisoriamente, da lei impugnada, que arbitra aluguel in limine nas ações revisionais.
Desta maneira é um remédio utilizável em qualquer processo de conhecimento, ordinário, sumário ou especial, desde que presentes os requisitos traçados por este dispositivo de lei, que são a prova inequívoca e a verossimilhança do alegado.
Além disso, apenas em dois casos a sua concessão é permitida: (i) quando estiver configurado no processo fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação para a parte que a pleiteia, ou (ii) quando estiver evidenciado o “abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu”.
Neste ponto percebe-se que há quase uma insuperável dificuldade para aceitar a mencionada confusão entre a tutela antecipada e a tutela cautelar, uma vez que a segunda visa proteger os elementos do processo, para que cheguem no momento da sentença de mérito aptos a desfrutar da mesma, possuindo, assim, caráter acautelatório e assecuratório. Já a primeira visa a antecipação dos efeitos da sentença de mérito, o que prova a grande diferença existente entre um e outro institutos, não havendo o que se falar em semelhança entre eles.
Porém, no referido parágrafo, o legislador quis viabilizar a concessão, dentro dos autos principais, da tutela cautelar que tenha sido denominada erroneamente de tutela antecipada, com base no princípio da fungibilidade entre estes institutos.
O advérbio “erroneamente” escrito no parágrafo acima significa que a tutela pretendida está sendo chamada de antecipada, mas tem, no entanto, substância cautelar.
Deste modo, entende-se que, para que valha o § 7º do artigo 273, o erro do requerente ao pedir tutela antecipada quando deveria entrar com uma ação cautelar, deve estar suportado por dúvida fundada e razoável quanto à natureza da tutela que pretende obter.
Ao que parece também, o requerente nem precisa mais intitular seu pedido dentro dos autos principais de “Pedido de Tutela Antecipada”, bastando apenas que solicite uma tutela, sem definir seu tipo, embasando seu requerimento no mencionado parágrafo.
É certo que a doutrina já disponível acerca do assunto está pacificada no sentido de que esta reforma veio a calhar, não havendo, até o presente momento, discordância sobre o acerto do legislador no emprego do princípio da fungibilidade entre tutela cautelar e tutela antecipada.
Os princípios que norteiam este entendimento são os mesmos que dão suporte à teoria da fungibilidade em matéria de recursos, que são o princípio da efetividade da tutela, o da instrumentalidade das formas, o da economia processual e o da proteção à boa-fé. Embora haja no meio jurídico certa passividade no emprego do referido princípio em mais um ponto no Direito Processual Civil, há que se atentar para a distorção de conceitos e pressupostos que ele provoca. Os princípios para a concessão da tutela antecipada são diferentes dos da tutela cautelar, de modo que havendo os pré-requisitos da primeira, não há motivo para a concessão da segunda, o que poderia caracterizar cerceamento de direito, e que havendo apenas os pré-requisitos da medida cautelar, não há como se conceder a tutela antecipada, por falta de pressupostos.
Percebe-se que ambos os institutos não são compatíveis, o que deveria ser um empecilho para a aplicação do princípio da fungibilidade.
Todas as vezes em que a fungibilidade não pode ser aplicada, como no caso das ações possessórias, das ações cautelares e dos recursos, que possuem institutos compatíveis entre si, ao magistrado cabe apenas decidir pela procedência ou não de um requerimento, ou, ainda, de executar um direito líquido e certo.
Quando os institutos em questão não são compatíveis, como manda o conceito de fungibilidade, não se pode transferir para o juiz a tarefa de, a partir dos fatos narrados na exordial, decidir qual pedido deve ser formulado pelo autor ou de, ainda, decidir que o requerimento formulado na inicial não é correto, e sim outro, que ele, o magistrado, então, determina e concede.
No entanto, o problema trazido por este novo parágrafo, para a doutrina que já se pronunciou a respeito, não está no emprego da fungibilidade neste caso e sim, como deve funcionar o referido princípio neste novo parágrafo.
Pela lei, agora é certa a concessão de medida cautelar em sede de tutela antecipada dentro do processo principal, com base no princípio da fungibilidade, mas e o inverso, ou seja, a concessão de tutela antecipada em sede de tutela cautelar? Esta é uma questão que tem gerado grandes controvérsias.
Entre as opiniões discordantes, parece sábio adotar a que sugere uma interpretação restritiva do parágrafo em estudo, permitindo-se apenas o deferimento de tutela cautelar em sede de antecipada e não o inverso.
NOTAS
Artigo apresentado com o título original de O Princípio da Fungibilidade no Novo Parágrafo 7º do Artigo 273 do Código de Processo Civil.
BIBLIOGRAFIA
Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 39, Saraiva, São Paulo, 1997.

Humberto Theodoro Jr., Curso de Direito Processual Civil, v. II, Processo de Execução e Processo Cautelar, 33. ed., revista e atualizada, Forense, Rio de Janeiro, 2002.

João Batista Lopes. Tutela Antecipada no Processo Civil Brasileiro (de acordo com a Lei

nº 10.444/02), 2. ed., Saraiva, 2003.

José Frederico Marques. Instituições de Direito Processual Civil, revisada, atualizada e complementada por Ovídio Rocha Barros Sandoval, v. V, Milenium, 2000.

Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier. Breves Comentários à 2ª Reforma do Código de Processo Civil, 2. ed. revista, atualizada e ampliada, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002.

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