Antonio Corrêa de LacerdaEconomista. Professor Doutor do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Autor, entre outros livros, de Globalização e Investimento Estrangeiro no Brasil (Saraiva). Foi Presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (SOBEET).
O Governo Federal deverá ter cuidado na calibragem do aumento de juros, por dois principais motivos. O primeiro é que o Brasil já pratica a maior taxa de juro real do mundo e é preciso avaliar corretamente qual a necessidade de elevá-la ainda mais. A taxa Selic, que acaba de ser aumentada para 11,25% ao ano, representa um juro real de 5,5%, quando descontada a inflação prevista para os próximos doze meses. Isso é mais do que o dobro da média dos países em desenvolvimento e, portanto, incompatível com a melhora de todos os indicadores macroeconômicos da economia brasileira nos últimos anos.
O segundo ponto é a necessidade de se caracterizar, claramente, a causalidade da inflação atual, que decorre muito mais de choques de oferta do que de pressões de demanda. Grande parte da elevação da inflação decorre de fatores cuja influência da taxa de juros é muito limitada, para não dizer nula, e os quais não controlamos diretamente. É o caso do aumento observado no mercado internacional de commodities, basicamente grãos, combustíveis, metais e outros, que decorrem não apenas do crescimento da demanda, mas também de especulação nos mercados financeiros internacionais.
As commodities tornaram-se ativos disputados como alternativa de investimentos de grandes fundos, especialmente diante do quadro atual, de baixíssimas taxas de juros na maioria dos países. Há, ainda, fatores sazonais internos, como o impacto da temporada de chuvas, que geram uma inflação localizada e episódica, também descolada de um aumento da demanda que exigisse medidas de contenção.
Afiguraria um erro de diagnóstico, a partir dessas pressões, concluir equivocadamente que seria necessário aumentar a taxa de juros para combatê-las. Depois de um crescimento próximo de 8%, em 2010, a economia brasileira deverá se acomodar nos próximos anos, com um crescimento mais perto dos 5%. Naturalmente, já está havendo uma desaceleração da taxa de crescimento, o que também vai ocorrer com a restrição de crédito decorrente de medidas tomadas anteriormente pelo Governo.
Por último, mas não menos importante, é preciso destacar que o aumento de juros não se configura medida neutra, pois causa tanto efeitos deletérios para a economia produtiva, como promove a geração de lucros especulativos no mercado financeiro.
Há um verdadeiro lobby pró-elevação de juros, orquestrado por parte daqueles que se beneficiam com a medida, como os credores da dívida pública, que são todos os que aplicam direta ou indiretamente em títulos da dívida pública, e o próprio mercado financeiro, que é intermediário do processo. Como parte destes títulos são pós-fixados, o aumento de juros representa diretamente uma elevação dos seus ganhos.
Não é por acaso que frequentemente assistimos a um aparente “consenso” pela elevação dos juros, ou pela sua manutenção em níveis elevados. Há interesses fortíssimos envolvidos, que acabam influenciando a opinião pública. Muito pouco se questiona a respeito da real necessidade de manter taxas de juros tão elevadas e menos ainda de elevá-las mais. Há um claro processo de acomodação, como se a economia, outrora viciada em inflação, a tivesse substituído pelos juros altos.
Os dados são impressionantes. Como a dívida pública brasileira é da ordem de R$ 1,5 trilhão, o seu financiamento tem custado cerca de R$ 190 bilhões ao ano. São recursos que pagamos sob a forma de impostos, que o Estado arrecada e transfere aos seus credores. Cada ponto percentual de elevação da taxa de juros representa, potencialmente, um gasto adicional de R$ 15 bilhões a cada ano. Isto é mais do que o custo anual de todo o Programa Bolsa Família, para se ter uma ideia do estrago para as contas públicas.
É muito importante que o Banco Central tenha autonomia, relativamente ao Governo. Mas é também fundamental que não se mantenha refém de movimentos especulativos, que privilegiam uma pequena camada da sociedade, em detrimento do interesse coletivo.
Por todos os motivos apontados, já passou da hora de uma mudança expressiva. Isso vale tanto para paradigmas que têm de ser questionados, como o piso para a redução dos juros no Brasil, quanto para o Sistema de Metas de Inflação em si, que deve ser preservado, mas precisa ser aperfeiçoado. Há muito a ser feito, desde os indicadores e o prazo para o foco da meta, até a forma de captação das “expectativas” dos agentes do mercado.
É também urgente rever o elevado grau de indexação da economia brasileira, especialmente das tarifas públicas. A correção automática de preços, baseada em indicadores que têm pouca relação com a estrutura de custos dos setores, como é o caso do IGP e do IGP-M, utilizados na maioria dos contratos, representa uma anomalia, incompatível com a nossa realidade atual.
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