"No caso em tela, a referida pessoa foi presa em flagrante em virtude da suposta posse irregular, em sua residência, de acessório e munição consistentes em um carregador de pistola calibre 38, de metal, com alongador de capacidade para 20 munições; uma munição de calibre 38 intacta; dois coldres de arma de fogo e um porta carregador de arma de fogo." (...)
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PODER JUDICIÁRIO
JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINAL DO DISTRITO JUDICIÁRIO DA ZONA NORTE
Av. Guadalupe 2145 Conj. Santa Catarina, 2º andar, Potengi - CEP 59.112-560, Fone: 3615-4663, Natal-RN
Auto de Prisão em Flagrante nº (APAGADO)
Flagranteado(o)(a)(s): (APAGADO)
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
Chega a informação a este juízo da prisão em flagrante de (APAGADO), efetuada no dia 10/06/2010, por ter cometido, em tese, o delito previsto no artigo 12 da Lei nº 10.826/2003.
Vem-me os autos conclusos.
Versam os autos acerca da infração disposta no artigo 12 da Lei nº 10.826/2003, cujo elemento subjetivo é traduzido no ato de possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda, no seu local de trabalho, mas, neste caso, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa.
No caso em tela, a referida pessoa foi presa em flagrante em virtude da suposta posse irregular, em sua residência, de acessório e munição consistentes em um carregador de pistola calibre 38, de metal, com alongador de capacidade para 20 munições; uma munição de calibre 38 intacta; dois coldres de arma de fogo e um porta carregador de arma de fogo.
Vê-se, assim, pela exegese legal ou simples interpretação gramatical, que o fato de possuir munição, isoladamente, constitui crime, nos termos do Estatuto do Desarmamento.
Entretanto, cumpre lembrar dos ensinamentos de Claus Roxin, que defende que a conduta, para ser penalmente típica considerada em face do Direito Penal, deve oferecer um risco ao bem jurídico. Se não há risco, não existe imputação objetiva. Trata-se de ausência de imputação objetiva da conduta, conduzindo à atipicidade do fato.
Neste ponto, destaca-se o princípio da ofensividade, também conhecido como princípio do fato ou da exclusiva proteção do bem jurídico, segundo o qual não há ofensa ao bem jurídico tutelado, qual seja, a segurança coletiva, quando da infração penal não houver efetiva lesão ou real perigo de lesão ao bem jurídico. Por conseqüência disso, não há delito quando a conduta não oferece perigo concreto e real, devendo todo tipo penal fundado literalmente em perigo abstrato ser interpretado e adequado à visão constitucional do Direito Penal.
Não obstante isso, pela leitura do Estatuto Armamentista, a posse de munição é delito de perigo abstrato, ou seja, a situação de perigo é presumida, havendo punição do agente mesmo que ele não tenha consigo uma arma de fogo.
Para Luiz Flávio Gomes, a conduta só cria um risco relevante, nos termos da incriminação contemplada no Estatuto do Desarmamento, se houver potencialidade lesiva concreta do objeto material do delito, bem como a possibilidade de seu uso imediato e segundo sua finalidade específica, para só assim se ter uma ofensa típica a um bem jurídico supraindividual (certo nível de segurança coletiva), ou, mediatamente, aos bens individuais (vida, integridade física etc).
Especificamente sobre o assunto, assevera novamente o jurista acima mencionado:
"(...) munição desarmada (leia-se: munição isolada, sem chance de uso por uma arma de fogo) assim como a posse de acessórios de uma arma. Não contam com nenhuma danosidade real. São objetos (em si mesmos considerados) absolutamente inidôneos para configurar qualquer delito. Todas essas condutas acham-se formalmente previstas na lei (Estatuto do Desarmamento), mas materialmente não configuram nenhum delito. Qualquer interpretação em sentido contrário constitui, segundo nosso juízo, grave ofensa à liberdade e ao Direito Penal constitucionalmente enfocado."
No mesmo sentido dispõe Ferrajoli3:
"(...) por exemplo, um cartucho de munição para nada serve se não houver arma que ele fará uso. (...) Assim, como a arma de fogo precisa estar municiada para trazer perigo à coletividade, a munição, sem a arma, também não produz qualquer efeito, uma vez que quem mantem em seu poder um número grande de armamento, desde que desmuniciados estaria concorrendo para a prática do artigo 180 ou 334 do Código Penal."
Ademais, vale ressaltar que no caso da arma desmuniciada, o Supremo Tribunal Federal, no HC nº 81.057-SP, entendeu não há delito porque, sem munição, não conta ela com potencialidade lesiva real, seguindo o mesmo posicionamento no RHC nº 90.197-DF e HC nº 97.811.
Diante disso, observe-se a contradição que seria a admissão, na mesma ordem jurídica, da criminalização da posse de munição e acessórios e o reconhecimento da atipicidade da conduta de portar arma sem munição, quando, a depender da quantidade e natureza do objeto material, não ocorre uma situação que possua o condão de ocasionar um perigo iminente.
Em razão disso e pela análise do caso em concreto, entendo que a conduta imputada à flagranteada é atípica, tornando a constrição de sua liberdade ilegal, razão pela qual relaxo a prisão em flagrante de (APAGADO), nos termos do artigo 5º, inciso LXV, da Constituição Federal, expedindo-se o competente alvará de soltura, se por outro motivo não dever permanecer preso.
Cientifique-se o Ministério Público.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Natal/RN, 22 de Junho de 2010
Rosivaldo Toscano dos Santos Júnior
Juiz de Direito – Proc. nº (APAGADO)
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PODER JUDICIÁRIO
JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINAL DO DISTRITO JUDICIÁRIO DA ZONA NORTE
Av. Guadalupe 2145 Conj. Santa Catarina, 2º andar, Potengi - CEP 59.112-560, Fone: 3615-4663, Natal-RN
Auto de Prisão em Flagrante nº (APAGADO)
Flagranteado(o)(a)(s): (APAGADO)
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
Chega a informação a este juízo da prisão em flagrante de (APAGADO), efetuada no dia 10/06/2010, por ter cometido, em tese, o delito previsto no artigo 12 da Lei nº 10.826/2003.
Vem-me os autos conclusos.
Versam os autos acerca da infração disposta no artigo 12 da Lei nº 10.826/2003, cujo elemento subjetivo é traduzido no ato de possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda, no seu local de trabalho, mas, neste caso, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa.
No caso em tela, a referida pessoa foi presa em flagrante em virtude da suposta posse irregular, em sua residência, de acessório e munição consistentes em um carregador de pistola calibre 38, de metal, com alongador de capacidade para 20 munições; uma munição de calibre 38 intacta; dois coldres de arma de fogo e um porta carregador de arma de fogo.
Vê-se, assim, pela exegese legal ou simples interpretação gramatical, que o fato de possuir munição, isoladamente, constitui crime, nos termos do Estatuto do Desarmamento.
Entretanto, cumpre lembrar dos ensinamentos de Claus Roxin, que defende que a conduta, para ser penalmente típica considerada em face do Direito Penal, deve oferecer um risco ao bem jurídico. Se não há risco, não existe imputação objetiva. Trata-se de ausência de imputação objetiva da conduta, conduzindo à atipicidade do fato.
Neste ponto, destaca-se o princípio da ofensividade, também conhecido como princípio do fato ou da exclusiva proteção do bem jurídico, segundo o qual não há ofensa ao bem jurídico tutelado, qual seja, a segurança coletiva, quando da infração penal não houver efetiva lesão ou real perigo de lesão ao bem jurídico. Por conseqüência disso, não há delito quando a conduta não oferece perigo concreto e real, devendo todo tipo penal fundado literalmente em perigo abstrato ser interpretado e adequado à visão constitucional do Direito Penal.
Não obstante isso, pela leitura do Estatuto Armamentista, a posse de munição é delito de perigo abstrato, ou seja, a situação de perigo é presumida, havendo punição do agente mesmo que ele não tenha consigo uma arma de fogo.
Para Luiz Flávio Gomes, a conduta só cria um risco relevante, nos termos da incriminação contemplada no Estatuto do Desarmamento, se houver potencialidade lesiva concreta do objeto material do delito, bem como a possibilidade de seu uso imediato e segundo sua finalidade específica, para só assim se ter uma ofensa típica a um bem jurídico supraindividual (certo nível de segurança coletiva), ou, mediatamente, aos bens individuais (vida, integridade física etc).
Especificamente sobre o assunto, assevera novamente o jurista acima mencionado:
"(...) munição desarmada (leia-se: munição isolada, sem chance de uso por uma arma de fogo) assim como a posse de acessórios de uma arma. Não contam com nenhuma danosidade real. São objetos (em si mesmos considerados) absolutamente inidôneos para configurar qualquer delito. Todas essas condutas acham-se formalmente previstas na lei (Estatuto do Desarmamento), mas materialmente não configuram nenhum delito. Qualquer interpretação em sentido contrário constitui, segundo nosso juízo, grave ofensa à liberdade e ao Direito Penal constitucionalmente enfocado."
No mesmo sentido dispõe Ferrajoli3:
"(...) por exemplo, um cartucho de munição para nada serve se não houver arma que ele fará uso. (...) Assim, como a arma de fogo precisa estar municiada para trazer perigo à coletividade, a munição, sem a arma, também não produz qualquer efeito, uma vez que quem mantem em seu poder um número grande de armamento, desde que desmuniciados estaria concorrendo para a prática do artigo 180 ou 334 do Código Penal."
Ademais, vale ressaltar que no caso da arma desmuniciada, o Supremo Tribunal Federal, no HC nº 81.057-SP, entendeu não há delito porque, sem munição, não conta ela com potencialidade lesiva real, seguindo o mesmo posicionamento no RHC nº 90.197-DF e HC nº 97.811.
Diante disso, observe-se a contradição que seria a admissão, na mesma ordem jurídica, da criminalização da posse de munição e acessórios e o reconhecimento da atipicidade da conduta de portar arma sem munição, quando, a depender da quantidade e natureza do objeto material, não ocorre uma situação que possua o condão de ocasionar um perigo iminente.
Em razão disso e pela análise do caso em concreto, entendo que a conduta imputada à flagranteada é atípica, tornando a constrição de sua liberdade ilegal, razão pela qual relaxo a prisão em flagrante de (APAGADO), nos termos do artigo 5º, inciso LXV, da Constituição Federal, expedindo-se o competente alvará de soltura, se por outro motivo não dever permanecer preso.
Cientifique-se o Ministério Público.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Natal/RN, 22 de Junho de 2010
Rosivaldo Toscano dos Santos Júnior
Juiz de Direito – Proc. nº (APAGADO)
Me ajudou muito a fundamentar um trabalho acadêmico de resposta a acusação de posse ilegal de arma de uso permitido
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