segunda-feira, 21 de março de 2011

As penas alternativas no direito brasileiro - Parte II

PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA E PERDA DE BENS E VALORES


“Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-se-á na forma desse e dos arts. 46, 47 e 48.
§ 1º A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidades pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários.
§ 2º No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza.
§ 3º A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto – o que for maior – o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime.”
Seguindo a orientação da Lei nº 9.714, de 25.11.98, o art. 45 do CP, passou a precisar a concepção jurídico-penal da pena de prestação pecuniária e da pena de perda de bens e valores, ambos portando a natureza de penas eminentemente patrimoniais.
A prestação pecuniária, insere o § 1º do art. 45 do CP, consiste no pagamento em dinheiro a vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz. O valor do pagamento não pode ser inferior a um salário mínimo, nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários.
Ressalte-se que a prestação pecuniária não se confunde com a multa prevista no art. 49 do CP, é óbvio que a multa é uma pena alternativa pecuniária, porém não é considerada, na legislação penal brasileira, como pena restritiva de direitos.
Diz o § 2º do art. 45 do CP, que o juiz pode substituir a pena de prestação pecuniária por prestação de outra natureza, isto é, por uma terceira opção de pena alternativa, desde que haja a aceitação do beneficiário (vítima, seus dependentes ou entidade pública ou privada com destinação social). Por prestação de outra natureza entenda-se a escolha entre opções de pagamento, ou qualquer outra obrigação de fazer algo ou dever de não fazer alguma coisa.
A interpretação desse § 2º do art. 45 do CP, enseja a consideração de que se está diante de uma norma sancionatória vaga e incerta, configurando uma pena inominada, que se choca com o Princípio de Reserva Legal (art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal e art. 1º do Código Penal), guardião da regra democrática de que tanto a definição do crime, como o estabelecimento da pena devem constituir tipos e sanções penais claras e precisas, porque só a lei é a exclusiva fonte de norma que incrimina ou sanciona (nullum crimen, nulla poena sine praevia lege). No Estado de Direito, contemplado o Princípio da Reserva Legal o juiz não tem liberdade para realizar a aplicação analógica, inventando crime ou pena para se adequar à conduta do réu.
O § 3º do art. 45 do CP, cuida da sanção restritiva de perda de bens e valores pertencentes ao condenado. Essa pena, prevista na Constituição Federal (art. 5º, XLVI, b) tem por objetivo propiciar recursos para o Fundo Penitenciário Nacional, criado pela Lei Complementar nº 79, de 7 de janeiro de 1994, com o objetivo de proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar atividades e programas de modernização e aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro. É o tipo de pena que se coaduna com o castigo merecido pelos criminosos do colarinho branco.
Essa pena restritiva não se confunde com o confisco estatuído no art. 91, II, do CP, que se refere à perda dos instrumentos, produto ou proveito do crime, como efeito de condenação. É o caso, por exemplo do confisco, em favor da União, do revólver utilizado na prática do homicídio.
A perda de bens e valores, fixada pelo juiz ao exarar a sentença, devidamente motivada, não pode passar do patrimônio que pertence ao condenado.

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE OU A ENTIDADES PÚBLICAS

“Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade.
§ 1º A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado.
§ 2º A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais.
§ 3º As tarefas a que se refere o § 1º serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho.
§ 4º Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada.”
São esses os componentes da pena restritiva de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, de acordo com a redação da Lei nº 9.714, de 25.11.98:
a) é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade;
b) consiste em tarefas gratuitas, isto é, não remuneradas;
c) os serviços devem se enquadrar em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, envolvendo programas comunitários ou estatais.
De acordo com o § 3º do art. 46 do CP, as aptidões do condenado devem ser consideradas pelo juiz, no momento da escolha da natureza e espécie do serviço. Nesse mesmo parágrafo, está determinado que a fixação da pena de prestação de serviço à comunidade implica em uma hora de tarefa por dia de condenação, de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho do apenado. Convém, então, que o juiz, na definição dessa alternativa, precise em quantos dias importará o cumprimento efetivo das tarefas impostas ao condenado.
A atribuição da pena de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas compete ao juiz que prolata a sentença de condenação, todavia o art. 149 da Lei de Execução Penal preceitua que caberá ao juiz da execução operacionalizar a sentença, dinamizando os seguintes procedimentos:
“LEP – Art. 149. caberá ao juiz da execução:
I – designar a entidade ou programa comunitário ou estatal, devidamente credenciado ou convencionado, junto ao qual o condenado deverá trabalhar gratuitamente, de acordo com as suas aptidões;
II – determinar a intimação do condenado, cientificando-o da entidade, dias e horário em que deverá cumprir a pena;
III – alterar a forma de execução, a fim de ajustá-la às modificações ocorridas na jornada de trabalho.
§ 1º O trabalho terá a duração de oito horas semanais e será realizado aos sábados, domingos e feriados, ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho nos horários estabelecidos pelo juiz.
§ 2º A execução terá início a partir da data do primeiro comparecimento”.
Em conformidade com o § 4º do art. 46 do CP, está facultado ao infrator, se a pena substituída for superior a um ano, cumprir a pena alternativa em menor tempo, nunca inferior à metade da quantidade da pena privativa de liberdade que foi substituída, conforme ressalva o art. 55 do CP.
Esse preceito é injusto para quem for condenado, por exemplo, a um ano de prisão, pois terá a obrigação de cumprir a pena o ano inteiro. O que fazer? A solução é conceder o benefício a qualquer pessoa que seja condenada a partir do mínimo de seis meses e um dia referente à pena privativa de liberdade indicada no caput do art. 46 do CP, que alvitra a opção de serviços à comunidade ou a entidades públicas.
Outro aspecto a sublinhar é que na falta de estabelecimento credenciado ou conveniado na comarca, onde deveria ser cumprida a prestação de serviços, deve o juiz substituir a pena restritiva de direitos pela de detenção, dentro do mesmo lapso de tempo, concedendo o benefício de suspensão condicional da execução da pena.
Se durante a execução da pena de prestação de serviços à comunidade ou a Entidades Públicas sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental que gere a incapacidade de o condenado cumprir regularmente as tarefas designadas, não terá lugar a reconversão à pena privativa de liberdade. A razão desse entendimento está amparada em dois argumentos: a) o condenado não deu causa a tal situação por vontade própria; b) a reconversão não está contemplada no art. 46 do CP. Assim sendo, a pena ficará extinta.

INTERDIÇÃO TEMPORÁRIA DE DIREITOS

“Art. 47. As penas de interdição temporária de direitos são:
I – proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo;
II – proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do Poder Público;
III – suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo;
IV – proibição de freqüentar determinados lugares.”

A pena de interdição temporária de direitos tem arrimo no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal.
A Lei de Execução Penal se refere à interdição temporária de direitos da seguinte maneira:
“LEP. Art. 154. Caberá ao juiz da execução comunicar à autoridade competente a pena aplicada, determinada a intimação do condenado.
§ 1º Na hipótese de pena de interdição do art. 47, inciso I, do Código Penal, a autoridade deverá, em vinte e quatro horas, contadas do recebimento do ofício, baixar ato, a partir do qual a execução terá seu início.
§ 2º Nas hipóteses do art. 47, incisos II e III, do Código Penal, o Juízo da Execução determinará a apreensão dos documentos, que autorizam o exercício do direito interditado.
Art. 155. A autoridade deverá comunicar imediatamente ao juiz da execução o descumprimento da pena.
Parágrafo único. A comunicação prevista neste artigo poderá ser feita por qualquer prejudicado.”
Consideremos agora cada uma das interdições previstas no art. 47 do CP:
I – Proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo.
O conceito e funcionário público para fins penais é mais amplo e compreensivo do que o do Direito Administrativo. O art. 327 do Código Penal esclarece:
“Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal.
§ 2º A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargo em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da Administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo Poder Público”.
Desse modo, o Perito em processo civil, o serventuário da Justiça, o jurado, o escrivão ad hoc (CPP, art. 305), o escrevente de cartório são funcionários públicos para o fim de ser sujeito ativo de delito.
A introdução, pela Lei nº 6.799, de 23 de junho de 1980, do § 2º acima tornou certo que o alargamento do conceito de funcionário público é apenas quanto ao sujeito ativo do crime. Por esse dispositivo, a pena é aumentada de um terço quando os autores dos crimes praticados por funcionário público contra a administração forem ocupantes de cargos em comissão, ou de função de direção ou assessoramento, de órgão da Administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública, ou fundação instituída pelo Poder Público.
Antes da referida lei, a extensão já era admitida pelos que entendiam ser o elenco do atual § 1º do art. 327 (antigo parágrafo único) exemplificativo e não taxativo.
Houve quem colocasse em dúvida a constitucionalidade da proibição de exercício de cargo eletivo. Salvo melhor juízo, parece que o dispositivo não viola a Constituição Federal. Quando da promulgação da Lei nº 7.209/84 (que introduziu a modificação contida no art. 47, agora comentado) vigorava a Constituição de 1967, com a redação das emendas posteriores. Ela previa os casos em que o cargo de deputado ou senador impedia que a “proibição do exercício do mandato” fosse imposta pelo Poder Judiciário em processo criminal. Na Constituição da República atual, o art. 55 traz os casos em que o deputado ou senador perde o mandato. E, se perde o mandato o deputado ou senador “que sofre condenação criminal em sentença transitada em julgado” (Constituição da República, art. 55, VI), com maior facilidade pode ele ser proibido de exercer o mandato eletivo pelo tempo determinado na sentença.
É necessário, ainda, esclarecer que a proibição do exercício de cargo, função pública ou mandato eletivo não se confunde com a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, que constitui, na forma do art. 92, I, do CP, efeito específico da condenação.
A proibição do exercício de mandato eletivo está prevista no art. 15, III, da Constituição Federal, que é uma norma auto-executável.
Passemos a examinar a segunda interdição fixada no art. 47 do CP.
II – Proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do Poder Público.
O exercício de certas profissões, atividades ou ofícios depende:
a) de habilitação especial, como, por exemplo, para exercício da profissão de médico, de dentista, de farmacêutico, de advogado;
b) de licença do Poder Público, como a de despachante, a de comerciante;
c) de autorização do Poder Público, tal como a de professor de segundo e terceiro graus.
Aquele que está habilitado a exercer qualquer dessas aptidões pode receber, em processo criminal, a pena de interdição do exercício do seu mister. A interdição é por tempo certo, determinado na sentença, e igual ao tempo da pena privativa da liberdade que nela é convertida.
Urge chamar a atenção para o fato de que as duas espécies de penas de proibição, fixadas nos incisos I e II do art. 47, são aplicáveis em substituição à pena privativa de liberdade, sempre que houver violação dos deveres que lhes são inerentes, conforme a regra do art. 56 do CP.
Vamos abordar a terceira interdição assentada no art. 47 do CP.
III – Suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo.
Enquanto que as duas primeira interdições (incisos I e II do art. 47) consistem na proibição de exercício, esta terceira se resume na suspensão da licença ou da habilitação para dirigir veículo. Na prática, dá no mesmo: sendo temporária a proibição dos incisos I e II, ela nada faz senão suspender, pelo tempo da pena, o exercício de direitos. A diferença está em que a pena do inciso III é aplicada em caso de “crime culposo de trânsito” (ver o art. 57 do CP).
O Código Brasileiro de Trânsito (Lei nº 9.503, de 23.9.97) também prevê semelhante punição, sendo ainda mais rigoroso ao impor ao reincidente a aplicação cumulativa, da pena de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor, com as demais sanções cabíveis.
Situemos a quarta interdição prevista no art. 47 do CP.
IV – Proibição de freqüentar determinados lugares.
Esse inciso foi acrescentado pela Lei nº 9.714, de 25.11.98.
O assento constitucional está no art. 5º, XLVI, a, que admite a privação ou restrição da liberdade.
A proibição deve ser imposta com critérios, levando em consideração certas circunstâncias ou peculiaridades relacionadas ao local do cometimento do crime. Assim sendo, o juiz, na sentença, deve proibir o condenado de freqüentar lugares propícios à delinqüência, os quais podem, inclusive, estimular a reincidência no comportamento do infrator. São exemplos desses lugares: ambientes de jogos, recintos de prostituição, bares, cabarés e casas noturnas.

LIMITAÇÃO DE FIM DE SEMANA

“Art. 48. A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado.
Parágrafo único. Durante a permanência poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas.”
Caracteriza o art. 48 do CP, que a limitação de fim de semana consiste na obrigação do condenado permanecer, aos sábados e domingos, pelo tempo de cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado, onde poderá participar de cursos, palestras ou de outras atividades educativas, como também indica o art. 152 da Lei de Execução Penal.
O impasse maior no Brasil em relação a essa pena restritiva de direitos é falta de capacidade administrativa e de gestão do Poder Público para dotar a execução penal de estabelecimentos adequados ao cumprimento desse tipo de pena de prisão. A saída improvisada tem sido recolher o condenado ao arranjo de cela especial, o que não deixa de ser um regime mais severo, por isso injusto. Assim sendo, quando não for possível, na comarca, a execução da pena de limitação de fim de semana, o juiz deve conceder o sursis.
Convertida a pena privativa de liberdade em limitação de fim de semana, o juiz intimará o condenado para conhecer o local, a programação de dias e o horário em que deverá cumprir a pena.
Por fim, é peculiar consignar que a Lei de Execução Penal cuida da limitação de fim de semana, expressando:
“LEP – Art. 151. Caberá ao juiz da execução determinar a intimação do condenado, cientificando do local, dias e horário em que deverá cumprir a pena.
Parágrafo único. A execução terá início a partir da data do primeiro comparecimento.
Art. 152. Poderão ser ministrados ao condenado, durante o tempo de permanência, cursos e palestras, ou atribuídas atividades educativas.
Art. 153. O estabelecimento designado encaminhará mensalmente, ao juiz da execução, relatório, bem assim como comunicará, a qualquer tempo, a ausência ou falta disciplinar do condenado”.

A MULTA COMO PENA ALTERNATIVA NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

A multa não foi enquadrada no Código Penal como pena restritiva de direitos, não obstante seja uma alternativa pecuniária, que não se confunde, como vimos, com a pena de prestação pecuniária. De fácil aplicabilidade, a multa, sempre que pode ser operacionalizada na Justiça, representa excelente via de substituição da combalida pena privativa de liberdade.
Multa é a obrigação, imposta ao condenado, de pagar uma soma em dinheiro. Houve tempo em que o pagamento consistia na entrega de gado (pecus – daí chamar-se pena pecuniária); depois em barras de cobre (aes); por fim, em moeda. Ela tem especial eficácia preventiva dos crimes cujo motivo é a cobiça, a ambição de lucro. E traz a vantagem de evitar os inconvenientes das penas privativas da liberdade de curta duração. E tem ainda outras virtudes: a) não deprime e não avilta como a prisão; b) facilita a individualização; c) em caso de erro judiciário, o dano injusto é ressarcível. Apresenta, porém, um inconveniente teleológico: o de poder ser pagar por um terceiro, isto é, por outra pessoa que não o condenado.
Por ser pena e não mera obrigação civil, ela não atinge os herdeiros, conforme proclama a Constituição da República, no art. 5º, XLV.
Se são vários os autores de um crime condenado à multa, cada qual paga a que lhe é imposta; não há solidariedade entre eles.
A multa pode ser cominada solitariamente, isto é, pode ser a única pena legal (exemplo: Lei de Contravenções Penais, arts. 29 e 30); alternativamente com pena privativa da liberdade (exemplo: Lei de Contravenções Penais, art. 31); ou cumulativamente, isto é, junto com outra pena (exemplo: Código Penal, arts. 130 e 131).
Outra modalidade de pena patrimonial, e que não deve ser confundida com a multa, é o confisco de bens, largamente aplicado em outras circunstâncias e, hoje em dia, aceito como medida acauteladora (exemplo: Decreto-Lei nº 502, de 17 de março de 1969). Na primeira redação do Código Penal e até o advento da Lei nº 7.209, de 1984, figurava nos arts. 88 a 100 do Código como medida de segurança.
A partir do século XVI a pena de multa foi desaparecendo das legislações ressurgindo neste século XX, como sub-rogado das penas de curta duração e como antídoto da ambição de ganho que motiva certos crimes.

Modalidades da Multa

A multa aparece na legislação penal como pena principal e como substituta de outra pena.
No primeiro caso (pena principal), ela pode ser:
a) a única pena cominada (por exemplo: para a contravenção de anúncio de meio abortivo – Lei das Contravenções Penais, art. 20);
b) pena cominada alternativamente com outra (por exemplo: para o crime de participação na rixa – CP, art. 137; injúria – CP, art. 140; constrangimento ilegal – CP, art. 146; ameaça – CP, art. 47);
c) pena cominada cumulativamente com outra pena (por exemplo: calúnia – CP, artigo 138; difamação – CP, art. 139);
d) independente de cominação (ver o parágrafo único do art. 58 do CP).
No segundo caso (multa substitutiva de outra pena), ela pode ser:
a) a única cominada se a pena privativa de liberdade, que a multa vai substituir, não é superior a seis meses (CP, § 2º, do art. 60 combinado com incisos II e III do artigo 44);
b) cominada cumulativamente com uma pena restritiva de direitos para os crimes culposos em que a pena privativa de liberdade aplicada é igual ou superior a um ano.

A Multa para o Fundo Penitenciário

Prescreve o art. 49 do Código Penal:

“Art. 49. A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de dez e, no máximo, de 360 dias-multa.
§ 1º O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a cinco vezes esse salário.
§ 2º O valor da multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária”.
O Decreto-Lei nº 1.726, de 1939, dizia, no art. 1º, que as multas penais seriam pagas em selo penitenciário. Por isso o Código Penal em sua primitiva redação prescrevia, no art. 35, que “a pena de multa consiste no pagamento, em selo penitenciário, da quantia fixada na sentença”. Dada a abolição deste selo, a Lei nº 7.209/84 mandou que a pena de multa seja paga ao Fundo Penitenciário.
O quantum da multa é fixado na sentença condenatória. Ao contrário do que ocorria antes da Lei nº 7.209, a Parte Especial do Código não mais estabelece o máximo e o mínimo de cada multa para cada crime. Essas cominações foram canceladas pelo art. 2º da referida lei (ver os §§ 1º e 2º deste artigo). Mas o artigo agora comentado fixa o mínimo em 10 e o máximo de 60 dias-multa.

O dia-multa

A fixação da multa na sentença não mais é feita em dinheiro, mas em dias-multa. Atribui-se ao penalista sueco Thyrén a criação do dia-multa. A verdade é que a idéia já estava, pelo menos em embrião, em nosso Código Criminal do Império que, no art. 55, dizia: “A pena de multa obrigará os réus ao pagamento de uma quantia pecuniária, que será sempre regulada pelo que os condenados puderem haver em cada um dia pelos seus bens, empregos ou indústrias, quando a lei, especificadamente, a não designar de outro modo”.
Neste século o dia-multa se generalizou nas legislações: fine, dos americanos; dagsbot, dos suecos; jours-amande, dos franceses; Tagesbusse, dos alemães.
O objetivo do dia-multa é tornar a pena proporcional à capacidade de pagamento do condenado.
O valor do dia-multa pode variar entre um trinta avos do salário mínimo mensal, por ocasião do crime, e o quíntuplo desse salário. Esse valor deve ser atualizado por ocasião do pagamento. Pode o condenado evitar a correção monetária depositando imediatamente a quantia fixada na sentença (LEP, art. 164, § 1º).
Quanto ao número de dias-multa aplicável em cada caso, já foi dito acima que é, no mínimo, de 10 e, no máximo, de 360.

Pagamento da Multa

O art. 50 do Código Penal assim se inscreve:
“Art. 50. A multa deve ser paga dentro de dez dias depois de transitada em julgado a sentença. A requerimento do condenado e conforme as circunstâncias, o juiz pode permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais.
§ 1º A cobrança da multa pode efetuar-se mediante desconto no vencimento ou salário do condenado quando:
a) aplicada isoladamente;
b) aplicada cumulativamente com pena restritiva de direito;
c) concedida a suspensão condicional da pena.
§ 2º O desconto não deve incidir sobre os recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família”.
Parece que a matéria contida neste art. 50 do Código Penal trata de execução da pena e estaria mais bem situada na Lei de Execução Penal.
O prazo para o pagamento da multa é de dez dias e o terminus a quo (isto é, o marco inicial do prazo) é o dia do trânsito em julgado na sentença condenatória. Isso é o que determina o dispositivo que estamos comentando. Mas o art. 164 da Lei de Execução Penal manda que o Ministério Público requeira, em autos apartados (em outros autos que não o do processo criminal), a citação do condenado para, no prazo de dez dias, pagar a multa ou nomear bens à penhora. O § 1º desse artigo admite também que o condenado faça o depósito (consignação em pagamento) do valor da multa, o que livrará da correção monetária.
Eis a posição da Lei de Execução Penal:
“Art. 164 (...)
§ 1º Decorrido o prazo sem o pagamento da multa, ou o depósito da respectiva importância, proceder-se-á à penhora de tantos bens quantos bastem para garantir a execução.
§ 2º A nomeação de bens à penhora e a posterior execução seguirão o que dispuser a lei processual civil.
Art. 165. Se a penhora recair em bem imóvel, os autos apartados serão remetidos ao juízo cível para prosseguimento.
Art. 166. Recaindo a penhora em outros bens, dar-se-á prosseguimento nos termos do § 2º do art. 164 desta lei (§§ 1º e 2º do art. 164, art. 165 e art. 166 da LEP)”.

Parcelamento da multa

A pedido do condenado, o juiz pode permitir que a multa seja solvida em parcelas mensais.
O parcelamento pode ser pedido pelo condenado (subentendido: por seu defensor) dentro dos dias que lhe são concedidos pelo art. 164 da Lei de Execução Penal para pagar a multa ou nomear bens à penhora.
Antes de decidir:
a) o juiz pode determinar diligências para verificar a situação econômica do condenado;
b) deve ouvir o Ministério Público; em seguida estabelecerá o número de prestações em que desdobrará a multa e o dia limite do pagamento de cada parcela.
Em duas hipóteses o juiz pode revogar o parcelamento:
a) se o condenado for impontual no pagamento;
b) se lhe melhorar a situação econômica, de modo que lhe seja possível pagar de uma só vez a parte da multa ainda não solvida.
A revogação pode ser concedida a pedido do Ministério Público ou por ato de ofício do juiz.
Revogado o benefício, executa-se a multa ou prossegue-se na execução já iniciada (art. 169, I e II, da LEP).

Cobrança da multa mediante desconto

A exação da multa pode ser feita mediante desconto nos proventos, vencimentos, salário ou remuneração do condenado não sujeito a prisão, isto é: a) quando a pena de multa for a única aplicada; b) quando infligida cumulativamente com pena restritiva de direitos; c) quando concedida a suspensão condicional da pena. Na hipótese de multa cumulada com pena privativa de liberdade, sem que haja a concessão do sursis, a multa é cobrada mediante desconto na remuneração do condenado preso. Se ele for posto em liberdade aplicam-se as regras gerais da cobrança.
O desconto não pode recair sobre os recursos imprescindíveis à manutenção do condenado e de sua família.

Valor da multa como Dívida Ativa em favor da Fazenda Pública

Estatui o art. 51 do Código Penal:
“Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.” (Artigo com redação fixada pela Lei nº 9.268, de 1º de abril de 1996.)
De acordo com a nova redação do art. 51, determinada pela Lei nº 9.268, de 1º de abril de 1996, fica proibida a conversão da pena de multa em detenção conforme prescrevia, anteriormente, o art. 51 do Código Penal, estabelecido pela Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984.
A modificação foi efetivamente positiva, porque, na vigência da lei anterior, a inadimplência tornava-se, às vezes, mais grave do que o crime cometido pelo agente considerando que o não-pagamento seria convertido em pena privativa de liberdade, quando o condenado solvente deixasse de pagar a multa ou frustrasse a sua execução. Era a lei do Qui non habert in aes luat in corpore (quem não tem moeda, pague com o corpo).
Como a lei nova é mais benéfica do que a anterior, aplica-se o princípio da lex mitior, que permite a retroatividade da lei penal. Com o efeito retroativo serão favorecidos todos aqueles que, em face da conversão da multa em detenção, estejam porventura cumprindo pena privativa de liberdade.
Nos termos da nova redação do art. 51, ditada pela Lei nº 9.268, de 1996, transitada em julgado a sentença condenatória, o valor da pena de multa será declarado dívida ativa em favor da Fazenda Pública. Em decorrência, a execução não mais obedece ao rito procedimental do art. 164, §§ 1º e 2º, da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984). O processo de execução passou a ter o regime disciplinado na Lei de Execução Fiscal, envolvendo todos os procedimentos judiciais: petição inicial, citação, penhora, arrematação, etc.
O juiz penal continua com a competência para processar a execução da pena de multa. Lembremos que, em virtude da independência da Jurisdição Penal e da Jurisdição Civil, o juiz cível não tem competência para decidir questões de natureza penal. Por outro lado, o Ministério Público continua com a sua legitimação para promover e acompanhar a execução da multa.

MULTA COMO DÍVIDA DE VALOR

A expressão “dívida de valor”, introduzida no art. 51 do Código Penal, reforça a conclusão de que não é mais possível a conversão da multa em prisão. A obrigação tem exclusivo caráter monetário, devendo a multa sofrer incidência dos reajustes legais até a data do efetivo pagamento.
É necessário esclarecer que a multa mantém a natureza jurídica de sanção penal, ainda que a Lei nº 9.268, de 1966, tenha considerado a multa dívida de valor. Veja-se que, se o réu paga a multa ao ser intimado (art. 50 do Código Penal e art. 164 da Lei de Execução Penal), ele cumpriu a sua pena. Mesmo que ele não pague a multa, esse débito não passa a ser dívida tributária ou de natureza extrapenal, visto que a alteração, ditada pela nova lei, diz respeito apenas à política de levar a efeito a persecução criminal, obtendo o efetivo cumprimento da pena, seguindo o regime de execução fixado na legislação tributária.
A propósito, sobre a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, assim dispõe a Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, em seus arts. 1º e 2º:
“Art. 1º A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas Autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.
Art. 2º Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não-tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores que estatui normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
§ 1º Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.
§ 2º A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e não-tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato.”
No que diz respeito às causas interruptivas e suspensivas da prescrição referidas no novo art. 51 do Código Penal, essas causas não são mais àquelas disciplinadas pelo art. 116, parágrafo único, e art. 111, V e VI, do Código Penal. A Lei nº 6.830, de 1980, acima citada, e o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966) disciplinam as causas suspensivas e interruptivas da prescrição que agora interessam ao pagamento da multa.
Situemos, então, essa legislação fiscal, com enfoque ao prazo prescricional, causas suspensivas e causas interruptivas:
a) Prazo prescricional:
Art. 174 do Código Tributário Nacional: “Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.”
b) Causas suspensivas: Art. 151 do Código Tributário Nacional:
“Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
I – moratória;
II – o depósito do seu montante integral,
III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;
IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüente”.
Art. 2º, § 3º, da Lei nº 6.830, de 1980:
“§ 3º A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da ilegalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo”.
Art. 40 da Lei nº 6.830, de 1980:
“Art. 40. O juiz suspenderá o curso de execução enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não ocorrerá o prazo de prescrição.
§ 1º Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.
§ 2º Decorrido o prazo máximo de um ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos.
§ 3º Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução”.
c) Causas interruptivas: Parágrafo único do art. 174 do Código Tributário nacional:

“Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I – pela citação pessoal feita ao devedor;
II – pelo protesto judicial;
III – por qualquer ato judicial que constitua em mora ao devedor;
IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor”.

Cumpre ainda ressaltar que, com a entrada em vigor da Lei nº 9.268, de 1996, ficaram parcialmente derrogados:
a) o art. 85 da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995), no aspecto que permitia a conversão da multa em pena privativa de liberdade;
b) o art. 581, XXIV, do Código de Processo Penal, o qual assegurava o recurso em sentido estrito da decisão relativa à conversão da pena de multa em detenção.
Por outro lado, em consonância com o art. 2º da Lei nº 9.268, de 1996, ficam expressamente revogados:
a) os §§ 1º e 2º do art. 51, que foram inseridos no Código Penal pela Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984. Ambos os parágrafos dispunham sobre o modo e sobre a revogação da conversão da multa em pena de detenção;
b) o art. 182 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984), o qual norteava a conversão da multa em pena privativa de liberdade.
Urge assinalar, finalmente, que a nova redação dada ao art. 51 do Código Penal não especifica que o valor da multa deve ser recolhido aos cofres da União. Como a Lei nº 9.268, de 1996, no dispositivo em exame, se refere, genericamente, à Fazenda Pública, nada impede que a multa seja arrecadada em proveito da Fazenda Pública estadual.

Suspensão da Execução da Multa

O art. 52 do Código Penal dispõe:

“Art. 52. É suspensa a execução da pena de multa se sobrevém ao condenado doença mental”.

A multa é pena e, como tal, não passa da pessoa do condenado (Constituição da República, art. 5º, XLV). Nisso, ela se distingue das obrigações civis. Por outro lado, a doença mental superveniente à condenação retira ao condenado a capacidade de sujeição (ver a análise referente ao art. 41 do CP).
Lembremos que, no mesmo sentido do teor do art. 52 do CP, dispõe o art. 167 da Lei de Execução Penal.
Note-se que a multa não desaparece: fica suspensa somente a execução e apenas enquanto durar a doença mental. Por outro lado, não se suspende nem se interrompe o curso da prescrição, pois a superveniência de doença mental e a conseqüente suspensão de execução da multa não estão previstas nos elencos exaustivos dos arts. 116 (causas impeditivas da prescrição) e 117 (causas interruptivas da prescrição) do Código Penal.
Destarte, normatiza o art. 114 do CP, que ao fim de dois anos do trânsito em julgado da sentença condenatória, a multa estará prescrita se for a única cominada em lei ou infligida na sentença.

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