segunda-feira, 21 de março de 2011

RECEBIMENTO DA DENÚNCIA OU QUEIXA: OS ARTS. 396, CAPUT, E 399 DO CPP, COM A REDAÇÃO DA LEI Nº 11.719/08

Discussão atual das mais acirradas centra suas energias em definir o exato momento em que ocorre o efetivo recebimento da denúncia ou queixa no processo penal, e isso em razão das disposições trazidas com a Lei nº 11.719/08.
Segundo pensamos, oferecida a denúncia ou queixa, caberá ao juiz proceder à análise da inicial acusatória sob o aspecto formal e verificar os elementos de prova que a instruem, e, sendo caso, rejeitá-la liminarmente, a teor do disposto no art. 395 do CPP, assim procedendo quando for manifestamente inepta, faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal, ou faltar justa causa para o exercício da ação penal. Para ser viável, é imprescindível que a inicial acusatória esteja formalmente em ordem e substancialmente autorizada.
Não identificando qualquer das causas justificadoras da rejeição liminar e, portanto, entendendo viável a acusação, o juiz deverá proferir despacho de recebimento da peça acusatória e ordenar a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 dias.
Apesar da redação do art. 399 do CPP1, que também fala em recebimento da denúncia ou queixa, não há falar em mero juízo preliminar de admissibilidade da acusação por ocasião do art. 396, caput, do CPP.
A lei é clara ao determinar o efetivo recebimento da denúncia já por ocasião do art. 396 (... o juiz, se não a rejeitar liminarmente, “recebê-la-á” ...), e o curso do procedimento com a citação do acusado de molde a permitir que o processo tenha completada sua formação, como explicita o art. 363 do CPP, havendo harmonia entre estes dispositivos.
Para que se tenha por completa a formação do processo, é imprescindível que se estabeleça a relação triangular que envolve a acusação (oferecimento da peça acusatória), o juiz (recebimento formal da acusação) e o réu (citação válida). Entender que o recebimento da denúncia só ocorre por ocasião do art. 399 do CPP acarreta negar vigência ao art. 363 do mesmo Codex, e também vigência parcial ao art. 396.
A técnica jurídica está explícita. A lei fala em rejeição da denúncia ou queixa e absolvição sumária, tendo entre elas o recebimento e a citação. Rejeição, como é óbvio, antes do recebimento da inicial acusatória. Absolvição sumária, como também é reluzente, após a efetiva instauração da ação penal, pressupondo recebimento formal da acusação e citação; estando completa a formação do processo, como diz o art. 363 do CPP.
O art. 406 do CPP, com a redação da Lei nº 11.689/082, bem indica a opção do legislador no sentido de determinar o efetivo recebimento da inicial acusatória antes de mandar citar o acusado para apresentação de resposta escrita.
Não se seguiu, por aqui, a opção antes exposta no art. 81 da Lei nº 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais); no art. 38 da Lei nº 10.409/02 (anterior Lei de Drogas, já revogada), e no art. 55 da Lei nº 11.343/06 (atual Lei de Drogas), no sentido de permitir resposta à acusação precedente ao recebimento da peça inaugural.
Necessário observar, ainda, que o art. 397 do CPP estabelece hipóteses em que o juiz, analisando o conteúdo da resposta escrita, poderá/deverá decretar a absolvição sumária do acusado, e é sem lógica pensar que possa ser proferida sentença absolutória sem que exista processo efetivamente instaurado, e se é certo que processo instaurado pressupõe inicial acusatória formalmente recebida, resulta inviável pretender que o recebimento efetivo só ocorra por ocasião do art. 399 do CPP, cuja redação remete ao passado (“recebida”).
Recebida a denúncia ou queixa, e não tendo ocorrido absolvição sumária, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente.
Não há qualquer dúvida que o legislador deveria ter pautado por melhor técnica na redação dos arts. 366 e 399 do CPP. Os lamentáveis e evitáveis equívocos a que se tem prestado em matéria penal e processual penal são recorrentes, infelizmente, e bastante sintomáticos.
No sentido de que a inicial acusatória deve ser recebida já por ocasião do art. 396, caput, do CPP, conferir: Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso de Processo Penal, 10ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 640; Guilherme de Souza Nucci, Código de Processo Penal Comentado, 8ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008, p. 715; Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008, p. 338; Rômulo de Andrade Moreira, A reforma do Código de Processo Penal – Procedimentos, Revista Jurídica nº 370, p. 117.
Em sentido contrário, Geraldo Prado3 assim leciona:

“(...) oferecida a denúncia ou queixa e se não houver imediata rejeição, por aplicação do disposto no art. 395 do Código de Processo Penal, o juiz determinará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, em dez dias. Somente depois disso é que o juiz poderá receber a inicial (art. 399), caso não a rejeite à luz dos novos argumentos ou não absolva o acusado com fundamento em alguma das causas previstas no art. 397 do mesmo estatuto.”

“Sob o ângulo prático esta interpretação/aplicação restitui as coisas aos seus devidos lugares e conforma a atividade da legislação ordinária a critérios constitucionais.
E, não menos importante, permite que a Reserva de Código opere em uma dupla dimensão garantista: reforçando a idéia do Código como ‘instrumento de acesso e interação com uma determinada realidade’4; e fundando a necessária racionalidade a possibilitar que a norma processual prevista no art. 394, § 4º, do Código de Processo Penal cumpra a exigência constitucional de validade do sistema.5”

Nessa mesma linha de pensamento, conferir: Cezar Roberto Bitencourt e Jose Fernando Gonzales, O recebimento da denúncia segundo a Lei nº 11.719/08. Disponível na Internet: http://www.conjur.com.br.
Antonio Scarance Fernandes e Mariângela Lopes6 denominam o primeiro despacho (art. 396, caput) como “recebimento preliminar”, e concluem que o recebimento efetivo, sendo caso, somente se dará após o oferecimento da resposta escrita.
As posições doutrinárias estão postas claramente, e todas fundadas em fortes argumentos que reclamam cuidadosa reflexão.
As conseqüências práticas de se adotar uma ou outra não se limitam ao debate ideológico ou acadêmico.
Resta aguardar para ver o entendimento que, enfim, prevalecerá na Suprema Corte. 
NOTAS
1 Recebida a denúncia ou queixa (...).

2 Art. 406.  O juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.

3 Sobre procedimentos e antinonias. Boletim IBCCrim nº 190, setembro de 2008, p. 5.

4 CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 26.

5 PASTOR, Daniel R. Recodificación Penal y Principio de Reserva de Código. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2005, p. 11.

6 O recebimento da denúncia no novo procedimento. Boletim IBCCrim nº 190, setembro de 2008, p. 2.
Renato Marcão em Prática Juridica ed. 83

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