segunda-feira, 21 de março de 2011

Execução Penal

A Execução Penal, no nosso País, tem, conforme o texto expresso da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, o objetivo de “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (art. 1º).

Mas, acima das disposições constantes da Lei das Execuções Penais, há, também, inúmeros dispositivos da Constituição Federal dando direitos e garantias a presos e condenados: art. 5º, incisos XXXV, XXXVI, XXXVII, XXXVIII, XXXIX, XL, XLI, XLII, LIII, LVI, LVII, LXI, LXII e LXIII. Referindo-se à individualização e humanização da pena, incisos XLVI e XLVIII. Dispondo sobre a integridade física e moral do preso, e a regularidade no cumprimento da prisão, ainda no art. 5º, incisos LXIX e LXXV.
Todas essas prescrições acham-se baseadas na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Declaração de Direitos e Deveres do Homem.
Com efeito, em 14 de dezembro de 1990, através de sua Resolução nº 14/110, a Assembléia-Geral da ONU aprovou e adotou as Regras Mínimas das Nações Unidas sobre as Medidas Não-Privativas de Liberdade, conhecidas como Regras de Tóquio.
Estudaremos a seguir como pretendem atingir seus elevados objetivos.

HISTÓRICO

Nos tempos modernos, o Direito Penal pode ser definido como sendo o conjunto de normas jurídicas que associam efeitos jurídicos exclusivos de Direito Penal a determinado comportamento humano – o crime. O principal destes efeitos alcança, tão-só e sempre, o autor culpável dum crime.
Agente passivo do Direito Penal tem que ser, necessariamente, pessoa viva, imputável, que atue culpavelmente. Ou seja: o autor individual, maior, responsável penalmente, que agiu culpavelmente.
Nem sempre foi assim, entretanto, pois em suas origens, ou seja, nas sociedades primitivas, encontramos:
a) a responsabilidade coletiva – eram punidos todos os membros da família do criminoso, ou o clã a que pertencia, ou mesmo a cidade onde habitava. Não havia “indivíduos”, mas membros de um agrupamento humano.
De acordo com o Código de Hamurabi, não era executado o que havia matado a filha de outro, mas executava-se sua própria filha.
A Bíblia fala que “Jeová castiga a todo o povo pelos pecados de um, especialmente se se trata do rei”. O procedimento habitual de Jeová para obrigar a reparar um crime era açoitar toda a estirpe. Pela apostasia da verdadeira fé, Deus estabelece até a destruição coletiva da cidade. Até os animais domésticos tinham que ser mortos e todos os bens entregues ao fogo (Pentateuco, 13: 13 e seguintes).
Pode-se vê no Livro de Josué (VII, 24), “quando os filhos de Israel fogem ante o inimigo, a causa é uma maldição. Algo de maldito há entre eles. Tem que ser eliminado sem consideração à culpabilidade individual. Assim, apreendem de Acan seus filhos, filhas, bois e asnos, ovelhas e a mesma tenda onde habitava, infeccionada pela mesma culpabilidade, e lapidam os seres vivos, queimando o resto.”
Inúmeros são os exemplos históricos de filhos condenados à morte por crimes do pai; de mães, pelos crimes dos filhos; de tios, sobrinhos, avós, pelo crime de um único membro da família. Não precisamos, porém, ir muito longe. Basta relembrar que nos tempos modernos toda a família do Czar Nicolau II, da Rússia, foi fuzilada quando da revolução comunista de 1917. Conforme registra a Enciclopédia Britânica, “fuzilaram o czar, sua mulher, o herdeiro do trono, as duas duquezas, o médico de câmara, o cozinheiro, um servente e uma donzela”.
No final da Segunda Guerra Mundial, a amante de Mussolini, Clara Petaci, que não tinha nada a ver com os crimes dele, acabou condenada e executada com ele.
Vale relembrar que, recentissimamente, no mês de setembro de 1993, tendo sido mortos quatro soldados da Polícia Militar do Rio de Janeiro – possivelmente por traficantes – no bairro de Vigário Geral, um grupo de policiais seguiu para lá, no dia seguinte, e matou cerca de vinte populares, dentre os quais mulheres e crianças, que nada tinham a ver com a morte dos soldados.
Não se pode esquecer, também, os inúmeros casos de morte de reféns, tanto em época de guerra, como de paz.
Mas, da mesma forma que a história do Direito Penal conheceu a responsabilidade coletiva no recebimento das penas, conheceu-a também na execução das penas.
Assim, por exemplo, a pena principal entre os judeus era a “lapidação”: o réu morria apedrejado por todo o povo. Na Inglaterra e Estados Unidos, os parentes da vítima é que enforcavam o criminoso condenado.
A instituição de pelotões de fuzilamento para executar políticos, revolucionários e líderes populares tem, sem dúvida, a mesma coloração de estabelecer uma responsabilidade coletiva, mediante “ordens superiores”.
b) puniam-se os mortos.
Já na Grécia antiga Platão indagava: “Devemos evitar ofender os mortos, e não impedir que se lhes dê sepultura? – Sim. Certamente que devemos fazê-lo” (República, V, 469).
Curioso, no entanto, foi o julgamento do Papa Formosus (816-896), segundo vem relatado pela Enciclopédia Britânica: “Papa de 891 a 896. Foi feito cardeal, bispo de Porto por Nicolau I, que o enviou para a Bulgária, a fim de fazer a conversão daquele país. Em 867, Formosus retornou a Roma, onde gozava dos favores de Adriano II. O Papa João VIII, entretanto, tratou-o como inimigo pessoal e Formosus fugiu de Roma, foi excomungado e reduzido ao estado leigo. Absolvido sob Marinus I e reintegrado no seu posto em Porto por São Adriano III, Formosus foi eleito Papa em 6 de outubro de 891. Morreu a 4 de abril de 896. Sob Estêvão VII, seus inimigos políticos desenterraram seu corpo e submeteram-no a um julgamento pós-morte. Sua eleição foi declarada inválida e seus atos anulados. A multidão atirou seu cadáver no rio Tiber. Papas posteriores reviram a decisão do Sínodo de Estêvão.”
Na Inglaterra, em 1660, por ordem do Parlamento foram desenterrados os cadáveres de Cromwell, Bradshaw e Ireton, enforcaram-nos no local onde eram exe­cutados os criminosos comuns e deixaram seus corpos expostos.
Na época moderna, na Rússia, a massa violou a tumba de Rasputin, arrancou seu cadáver, que já estava meio apodrecido, jogou-lhe gasolina em cima e queimou-o.
Acabada a Segunda Guerra Mundial, os norte-americanos instalaram um Tribunal em Tóquio para julgar e condenar os oficiais japoneses. Após sua morte, determinaram a cremação dos corpos e mandaram atirar as cinzas, de avião, no mar. Quanto aos alemães condenados pelo Tribunal de Nuremberg, os aliados fizeram com que suas cinzas fossem espalhadas no deserto.
Mas, independentemente dessas condenações de cadáveres e de penas executadas em mortos, havia também penas de morte qualificadas, em que a sentença impunha o esquartejamento do réu após a morte e outras espécies de requintes. Aqui no Brasil mesmo, temos o exemplo de Tiradentes, que foi condenado à morte e a ser esquartejado, depois de morto, devendo todas as partes do seu corpo ser penduradas em vias públicas. Mussolini e sua amante foram mortos pela multidão, e em seguida ficaram pendurados de cabeça para baixo em praça pública.
c) havia penas que eram executadas em efígies. Uma vez que a pessoa do condenado não era encontrada, ou tinha fugido, desaparecido ou se suicidado, fazia-se uma efígie, aplicando-se nela a pena. Relata v. Hentig que “o castigo em efígie desempenhou importante papel no processo inquisitorial espanhol. Lemos que a Inquisição condenou à morte, na Espanha, entre 1481 e 1809, 31.912 pessoas, das quais foram executadas em efígie 17.659”.
Entendiam que, da mesma forma como são levadas flores às imagens dos santos e dos mortos, nos cemitérios – se suas efígies são beijadas e acariciadas, agarradas e carregadas com fervor e amor, também podem ser punidas, desprezadas e achincalhadas.
d) havia penas, ainda, contra coisas e animais. Coisas que tinham possibilitado o crime eram condenadas à destruição, e os animais, à morte. O cavalo no qual o cavaleiro havia cometido o crime, ia para a fogueira com ele, ou ambos eram atirados do alto dum penhasco.
No que se refere às coisas, Dracon, na Grécia antiga, promulgou lei mediante a qual as coisas que caíssem sobre um homem e o matassem fossem destruídas: “Se uma pedra ou um pedaço de madeira ou ferro alcança um homem e lhe tira a vida, e o homem que atirou o objeto é desconhecido, mas o objeto que causou a morte estava à mão, o objeto deverá ser levado ante o tribunal para ser julgado”. Platão, impregnado das idéias de seu tempo, defende o mesmo ponto de vista, em As Leis, IX, 873 e seguintes.
A História registra inúmeros casos de condenação de casas, vilas e cidades: destruía-se tudo, não se deixando pedra sobre pedra. Há, na Bíblia, vários exemplos.
Comenta Filangieri que, “se uma estátua, um vaso, uma coluna, caindo, matavam ou feriam o homem que observava tais coisas, ou que se encontrava sob elas, de passagem, logo um processo era instaurado e a estátua, a coluna ou vaso sofriam condenação, sendo punidos e reduzidos a pedaços” (La Scienza della Legislazione, Milão, 1817, v. 4, p. 223).
A Bíblia relata muitos casos de cidades que desapareceram devido ao pecado e licenciosidade de seus habitantes. A ira divina desabava sobre elas – como, por exemplo, Sodoma e Gomorra – fulminando tudo, sem deixar vestígios. Homens e mulheres, velhos e crianças, animais e coisas, culpados e inocentes, todos pagavam, juntos, os pecados (e crimes) cometidos – porque pecados e crimes equivaliam, sendo crime o que constituía pecado, e vice-versa.
Isso, no entanto, não difere muito dos tempos modernos, porque todos se lembram, ainda, que na Segunda Guerra Mundial, em pleno século XX – há pouco mais de cinqüenta anos – os alemães destruíram totalmente Lídice, matando todos os seus habitantes, e os aliados, por sua vez, arrasaram, por completo, Hiroshima e Nagasaki – não há dúvida de que, com a explosão atômica, morreram homens, animais, cães e gatos, culpados e inocentes, foram destruídas coisas em geral – casas, utensílios domésticos, carros, copos, garrafas e até remédios.
Usando a expressão latina: more majorum – segundo os costumes antigos.

A PENA

Cada processo penal é, sem dúvida alguma, um estudo criminológico. Nele estão todos os fatores que ocasionaram o crime – a verdadeira etiologia do crime. Mas, além disso, há, ali, uma análise completa da personalidade do criminoso. E, independentemente do que já vem constante do inquérito policial, o juiz pode, ainda, determinar uma pesquisa ou um levantamento, por assistente social ou psicólogo. O processo penal deve tomar em conta o crime, mas, também, e sobretudo, o criminoso.
Sobre o fundamento do Direito Penal subjetivo e sobre o conceito e finalidades da pena, têm sido formuladas, desde os tempos de Platão e Aristóteles, até os nossos dias, inúmeras teorias. Embora sejam diversas, nenhuma deu um objetivo à pena. A inovação só surgiu no começo deste século, com a chamada “pena-finalística”, de Liszt (Tratado, § 13), visando à readaptação social do delinqüente.
Na realidade o que resta de firme é que a pena é conseqüência do ilícito, conforme expressa disposição de lei. Nada além disto. A suposta readaptação social não faz com que a pena se acabe, nem tampouco a inexistência dessa readaptação impede que a pena se extinga. E a experiência tem demonstrado que muito raramente ela ocorre.
Dentro desse conceito, todas as teorias podem resumir-se a duas idéias básicas: absolutas e relativas.
O crime não é somente o pressuposto, mas o motivo da pena, que se apresenta, portanto, de sua parte, como conseqüência jurídica do ilícito, e só como tal. Essa é imposta: quia peccatum est (porque pecou). Todas as teorias que têm esta idéia fundamental chamam-se teorias absolutas. Para elas, trata-se, antes de tudo, de concluir a origem da pena, da conexão conseqüencial entre culpa e pena. Todas encontram o objetivo mais próximo da pena no fato de que o culpado é atingido por ela. Assim, separam do conceito o efeito que a execução penal deve exercer sobre o condenado.
Não é de fato essencial para ela a opinião errada, muitas vezes ligada a ela, muitas vezes seguida – ser a pena conseqüência necessária, portanto inafastável, do crime.
Todas as teorias absolutas se dividem, relativamente à sua concepção acerca das outras finalidades da pena, em dois campos: 1. A pena deve tornar bom novamente o injusto ocorrido, curar, expiar, reparar. O crime aparece, então, como reparável, como uma espécie de dano a reparar – a pena se torna da mesma natureza que o ressarcimento do dano; é redenção do mal e, portanto, não é um mal.
2. A pena deve ser represália contra o ilícito ocorrido – ou, numa mais exata expressão jurídica para a mesma idéia – tomar satisfação, o que se chama manter o domínio do direito sobre o delinqüente.
O crime aparece como infração jurídica irreparável, a pena essencialmente diferente do ressarcimento do dano, equiparando-se o ressarcimento à pena. A pena não é somente redenção do mal, mas um mal para o condenado mesmo. Teoria da represália ou da satisfação. Seu pensamento fundamental é, portanto, muitas vezes combinado com a cura e com a restauração, de modo que, na represália, deve estar contida, junto, uma espécie de cura.
As teorias da represália se dividem ainda, também, nas suas concepções sobre o objeto da ofensa do delito, e por conseguinte, também sobre o sujeito a quem se deve dar a satisfação.
Assim, temos: crime é infração dos preceitos divinos – a divindade exerce, por meio de seu representante, seu direito de represália: teoria da represália divina; crime é infração do ordenamento moral, a pena, represália da moralidade – teoria da represália moral; crime é injustiça, a pena, represália pelo crime – teoria da represália jurídica.
Afirmam seus defensores, entre todos, primeiramente, Hegel, que a pena é a conseqüência lógica, e, portanto, imediata do crime. A segunda concepção fundamental olha para o oposto: o crime é somente pressuposto, não razão da pena, sobretudo só um sintoma para a existência dum motivo penal, que está fora dela. A pena é, portanto, não conseqüência do ilícito, mas meio para remoção do motivo penal: não é destinada, quia peccatum est, mas postquam peccatum est, ne peccatur (para que o que pecou, não volte a pecar).
Estas teorias, cujos pensamentos fundamentais se encontram todos juntos aos filósofos gregos, chamam-se teorias relativas. Receberam particular desenvolvimento com a doutrina do direito natural sobre a origem e fim do Estado.
Se o Estado é realmente apenas uma instituição saída do contrato social para utilidade e vantagem da sociedade, como soma dos indivíduos, há somente uma razão de justificação para todas as leis do Estado, e, por conseguinte, também para suas leis penais: é a utilidade delas para a sociedade e para os indivíduos. A pena torna-se meio para a segurança e o bem-estar da sociedade.
Entendidas quanto ao objetivo da pena, as teorias relativas se dividem na escolha dos meios para esse fim. Ora o objetivo deverá ser alcançado com a intimidação para o crime, ora com a prevenção, ora com a emenda.
Ferri, sem dúvida o mais importante porta-voz do relativismo, em busca da “readaptação”, estabelece cinco classes de delinqüentes: criminosos loucos, natos, habituais, ocasionais e passionais, e quer adaptar às pessoas os meios isolados de defesa de toda classe.
Aschaffenburg diz, relativamente a isso, que há sete grupos: criminosos acidentais, passionais, ocasionais, premeditados, reincidentes, habituais e profissionais. Chama a atenção, de modo parti­cular, o criminoso acidental, que é aquele que entra em conflito com o Código Penal por mera culpa, ou imprudência.
Ele quer que seja produzida, mediante a pena, maior segurança jurídica, a que qualquer um pode aderir, “e, de uma parte com a intimidação, e de outra parte, com a emenda, tornar o agente não perigoso”.
A terceira concepção fundamental apresenta-se como um aperfeiçoamento da primeira, mas, no seu segundo aspecto, como ligação da primeira com a segunda.
Ela visa a isso: o crime é um fundamento, e a represália, um fim da pena, a garantia da autoridade da lei frente ao crime ou, portanto, o segundo fim é o bem-estar futuro da sociedade.
São as chamadas teorias sincréticas ou de conciliação. Estão perfeitamente corretas quando argumentam: do crime deriva somente um direito penal, não um dever penal; pois que a pena é um mal também para o Estado, que este não pode assumir sem motivo de necessidade. Este motivo de necessidade não pode estar no crime, que pertence ao passado. Do contrário, um mal pretérito constrangiria o Estado a assumir um segundo mal sobre si, enquanto o Estado só pode fazer isto quando o ameaçam dois males, dos quais pode impedir o maior, com a escolha do menor.
A pena encontra, assim, apesar de sua natureza de mal, sua justificação no fato de que é destinada a evitar um mal maior, que a impunidade do crime produziria; encontra esta justificação frente ao Estado também somente em que esta se justifica frente ao criminoso pela sua ação.
Para Hegel, a pena deve derivar não do Direito, mas da moral. É na natureza da moral que se forma um juízo de qualquer ação. Esse juízo, portanto, variaria não somente para o ato, mas também para o autor. Toda comunidade tem direito de dar esse juízo sobre aquele que não observa sua constituição.
Segundo ele, em princípio, “toda expressão de desaprovação, até a completa anulação, é, frente ao culpável, direito”. E esta expressão de desaprovação é a pena. “Com a passagem do Direito Penal para a forma comum, do direito à pena deriva ao mesmo tempo um dever”.
Fim da administração do Direito Penal é: “Alguns princípios da moralidade devem ser, pela natureza comum, designados pública e universalmente de modo evidente, para que os atos que contradigam tais princípios venham providos de um enérgico sinal de desaprovação pública”.
As mais importantes teorias jurídicas da retribuição são as de Kant e Hegel. Em nenhum lugar se apresenta a autoridade e a necessidade da pena mais imponente do que neles. E assim os melhores teóricos são os representantes da espécie inteira!
Crime, ou mesmo crime público, é aquela transgressão da lei pública que torna incapaz de ser cidadão do Estado aquele que a comete. Por conseguinte, Kant assinala os limites do domínio da pena pública, supondo que seja crime público somente aquela transgressão que pressupõe no transgressor a intenção que elimina a possibilidade de ordem estatal. Portanto, o abuso de confiança, a fraude na compra e venda para com o outro contratante que está de olhos abertos, parecem-lhe crimes privados, que pertencem ao juízo civil.
Os crimes públicos se referem à malícia e à violência. A pena se distingue, antes de tudo, da autopunição, mesma, do vício. Não é nunca outra coisa senão, simplesmente, meio dum outro fim, esteja esse na pessoa do delinqüente, esteja na sociedade humana, mas deve, a qualquer tempo, ser decretada somente contra o criminoso, porque cometeu o crime.
A dignidade da criatura humana, que não permite que o homem seja confundido com os objetos dos direitos reais, proíbe se procurarem outros fins para a pena. Assim, a lei penal é um imperativo categórico, e, “ai daqueles que se introduzem serpenteando na teoria da felicidade para encontrar qualquer coisa de proveitosa que ela promete para livrar da pena ou mesmo só num grau da mesma, segundo o veredito farisaico: é melhor que um homem morra do que todo povo se perca, pois que se a justiça perece, não há mais nenhum valor para que os homens vivam sobre a Terra!”
A estreita conexão entre a teoria relativa moderna, ou teoria de segurança, e a concepção jusnaturalista da gênese e do fim do Estado, manifesta-se do modo mais evidente na chamada teoria contratual, que faz derivar o direito à punição do contrato com o Estado (do contrato social).
Os principais defensores de tal teoria, no exterior, foram Hobbes, Rousseau, Beccaria; na Alemanha, representa-a especialmente Fichte, nos seus Grundlage des Naturrechts (Princípios fundamentais de Direito Natural).
Segundo esta teoria, a personalidade jurídica inteira de qualquer um tem raízes no contrato do cidadão, que compreende dois elementos: o contrato de propriedade e o contrato de tutela. Quem viola aquele contrato, intencional ou culposamente, fica, por isso, privado de todo direito. Esta calamidade, por ser possível evitar, é causa dum segundo contrato, chamado contrato de expiação. Segundo este, todos prometem a todos: enquanto seja conciliável com a segurança pública, esta exclusão do Estado não deve ocorrer por causa do crime; o criminoso deve expiar o seu crime, antes de mais nada, de outro modo.
Assim, o indivíduo obtém o importante direito de ser punido. Ganha, com tudo isso, a esperança de conservar-se cidadão, cuja utilidade supera sua capacidade de prejudicar, e é obrigado a aceitar a expiação.
A diferença das teorias relativas entre si consiste, portanto, não no fim, pois que este é, de modo absoluto, a segurança, mas está, antes de tudo, nos meios e nos modos para alcançar este fim.
Pela teoria da coação psicológica, de Feuerbach, o Estado, mediante a execução penal aplica a pena simplesmente com o objetivo de incutir, mediante ela, medo e terror por tais sanções, em todos os semelhantes do criminoso.
Sua idéia fundamental foi expressa argutamente por um juiz inglês, Burnet, em seu discurso a um ladrão condenado: “Homem, tu não serás enforcado por ter roubado um cavalo, mas para que os cavalos não sejam roubados!”.
Seus últimos representantes são: Filangieri, Gmelin.
Feuerbach parte do fim do Estado e da necessidade que no Estado deverão ser evitadas todas as violações ao direito. Por isso o Estado deve fazer institutos de coação, sobretudo para tornar impossíveis os crimes.
E, em primeiro lugar, institutos de coação física, para evitar o crime e obter, à força, do ofensor, a restituição e o ressarcimento. Mas esta coação física não basta, pelos seguintes motivos: o homem não é livre, mas é determinado. Toda ação deve ocorrer, como acontece, porque os motivos determinantes dessa foram mais fortes do que os contrários a ela.
Todo crime é, portanto, necessário. Ora, todos os crimes têm raiz no motivo psicológico da sensibilidade, no prazer de perpetrar a ação. Este impulso psicológico deve contrastar somente com a coação psicológica. Qualquer um deve saber que, ao fato que ele prazerosamente comete, deverá seguir-se, inevitavelmente, um mal maior, como desprazer que decorre do crime planejado. O Estado deve, antecipadamente, ameaçar com este mal, na sua lei penal, onde assegura a eficácia de sua ameaça, e que ela deve ser executada contra aquele que não a observou. A cooperação da lei penal e das execuções penais para o fim da intimação, deve exercer a coação psicológica contra todos, como possíveis criminosos.
Teoria da prevenção especial, de Grolmann, Lo Stesso. Enquanto a teoria da intimidação parte, nas suas diferentes formas, da hipótese, sempre justa, de que na sociedade humana existem indivíduos inclinados ao crime, portanto necessitados de intimidação, a teoria da prevenção se baseia numa infundada praesumtio doli vel culpae (presunção de dolo ou culpa) num sujeito isolado, inteiramente determinado.
A idéia dum Estado de Direito exige que qualquer um deva poder calcular a remoção de ações que lesem o direito de seu próximo, portanto, a vontade dos homens encontra, a todo momento, motivos suficientes contra o ilícito. Uma possível garantia para a existência do mesmo pode ser encontrada no fato de que a toda contradição com a exigência duma situação jurídica, opõe-se o motivo da coação.
Esta coação pode não ter, simplesmente, por objeto a reparação do dano sofrido, mas deve ter por objeto também a eliminação do perigo derivado da falta de um cálculo fundado sobre determinação jurídica da vontade dos homens (coação de segurança, de prevenção, de defesa).
Mas o promotor dum crime, tentado ou consumado, demonstrou a inclinação de sua vontade para a ilegalidade, e há, portanto, nele, um perigo para o estado jurídico, que deve ser eliminado. Isso só é possível tratando-se de prevenir as futuras explosões dessa vontade perigosa, eliminando-lhe, portanto, a possibilidade física da perpetração do crime (meios absolutos de segurança) ou intimidando-o quanto à perpetração de futuros crimes.
Teoria da emenda: Steltzer, Groos, Roeder. Aquilo que a teoria da prevenção quer alcançar com medidas impeditivas contra o criminoso, a teoria da emenda quer obter com sua melhora. Esforça-se para transformar a pena, de um mal para o criminoso, num bem. Com isso, visa à melhoria jurídica, isto é, ao progresso do sentimento jurídico do homem para com o mundo exterior. Assim, Steltzer: “A finalidade da pena não pode ser outro senão corrigir o delinqüente, a fim de que ele, por sua própria intenção, não seja mais nocivo à segurança geral”; melhora intelectual: “O criminoso foi instrumento do destino inexorável, exatamente por isto merece a tentativa pedagógica de melhoria, mediante a correção, que deve ser maior quanto maior foi o crime cometido”.
Melhoria geral, e particular melhoria moral. Os seguidores de Krause, especialmente Roeder, intervieram zelosamente em favor deste conceito. O motivo jurídico da pena consiste no arbítrio imoral, tornado externamente reconhecível, de um homem dirigido a perturbar a ordem jurídica social e incompatível com esta. O objetivo jurídico da pena é a eliminação da vontade imoral, efetivamente demonstrada nos seus motivos, com todos os meios jurídicos adequados.
Quem coloca em execução uma tal vontade antijurídica demonstra que, com relação à ordem jurídica, é incapaz de determinação autônoma, e que, pela duração desta imaturidade, necessita duma limitação da liberdade abusada, duma disciplina severa e guia para sua vida, isto é, duma tutela por parte do Estado jurídico. Esta tutela é reeducação, e, por conseguinte, pena de melhoria.
De acordo com os conceitos da penologia moderna, a pena é uma perda de direitos ou de bens jurídicos que o Estado impõe, de direito, a um criminoso como satisfação pela irreparável violação jurídica criminosa, a fim de manter a autoridade da lei violada.
Ela é, antes de mais nada, perda de direitos ou de bens jurídicos, e, por conseguinte, sendo uma perda para o indivíduo punido, significa um mal no sentido jurídico, mesmo se este não devesse sentir a pena como tal. A pena só se torna possível quando uma pessoa possui direitos e bens jurídicos. O indivíduo totalmente privado de direitos não pode ser punido: aquele a quem faltam certos bens jurídicos, p. ex., patrimoniais, é pelo menos inacessível a certas penas. Não pode ser condenado à perda do patrimônio quem não tem nada.
Quantas espécies de bens jurídicos dizem respeito a uma pessoa, tantas outras espécies de pena poderão, no máximo, existir. Mas certos bens jurídicos não são subtraídos pela pena numa época que não conhece mais uma completa falta de direitos, como, por exemplo, a não-qualidade de pessoa e a qualidade de filho, a qualidade de pai e de marido, a dignidade humana.
O Direito antigo conhecia pena à vida, ao corpo, à liberdade, à honra e ao patrimônio; o Direito moderno aboliu, quase generalizadamente, a pena de morte; também as penas desonrosas (infamantes), e corporais.

O ÔNUS DA PENA

Conforme assinala Binding, “se o Estado institui a pena, esta o obriga à instituição de tribunais, de juízes penais, de órgãos da acusação penal e da defesa; esta, força-o, além disso, a suprimir e encarcerar homens, cuja vida e liberdade talvez não são de valor somente para seus dependentes e para sua família, mas também para a comunidade jurídica; esta, além disso, impõe ao Estado sérias preocupações com a execução penal, e lhe impõe grandes sacrifícios patrimoniais.
Suportar o Direito Penal é uma dor grave, exercê-lo é um peso grave para o titular do poder penal, peso que só pode aceitar quando necessário, isto é, quando o Direito Penal se transforma, para ele, num dever.”
Assim, “podendo o Estado tomar sobre si um mal, somente quando, com isso, afasta um mal maior, ou pelo menos um igualmente grande, só se pode considerar obrigado à pena quando o mal da falta de punição for, para ele, ainda maior do que o da punição”. Esta é a razão por que, considerando os inúmeros inconvenientes, tanto para o condenado como para a sociedade, das penas privativas de liberdade, o Direito Penal moderno adotou uma série de medidas substitutivas – perdão judicial, suspensão condicional da pena, livramento condicional, prisão-albergue, penas restritivas de direito, multa e penas alternativas, do Direito Administrativo.
Em outras palavras, a pena deve ser adaptada à personalidade, não somente jurídica do delinqüente (primário ou reincidente), mas ainda ao seu perfil (psicológico e real).
As penas se modificaram substancialmente – em vez dos castigos corporais, temos hoje, predominantemente, as penas privativas de liberdade; surgiram penas pecuniárias; em vez das penas firmes, apareceram: sursis, livramento condicional e mesmo sanções recomendadas pela política criminal: substituição da pena privativa de liberdade por multa, perdão judicial, penas restritivas de direitos – prestação de serviços à comunidade.
O Estado, que se arroga no direito de impor a pena ao condenado, investe-se, por outro lado, no dever de fazer com que no cumprimento dessa pena sejam respeitados direitos humanos e a dignidade pessoal do condenado.
A Lei impõe-lhe a obrigação de proporcionar assistência material, também, àquele a quem submete às humilhações do sofrimento da pena.
Segundo os valiosos ensinamentos da ONU, nesse conceito de assistência, vemos, antes de mais nada, que o recluso deve ser mantido em estado de boa saúde, e quando não trabalha, deve ter um minimum de alimentação necessária e suficiente, que em fisiologia é designado com o nome de ração de manutenção.
Essa ração é representada por um conjunto de substâncias alimentares, convenientemente escolhidas e variadas, em relação ao clima e aos costumes das diversas regiões, e em que é de grande utilidade que as carnes entrem em razoável proporção.
O recluso que trabalha carece de suplemento alimentar. A ração, chamada de trabalho deve ter como base a ração de manutenção, acrescentada dum conjunto de substâncias alimentares convenientemente escolhidas e variadas.
Para que a alimentação dos reclusos corresponda às suas necessidades fisiológicas, poderá a proporção das substâncias albuminóides ou azotadas, com relação às substâncias ternárias ou não azotadas, oscilar entre 1:3 ou 1:6,5, sem que deva afastar-se destas relações, quer para mais, quer para menos, de modo duradouro.
Os reclusos, por ocasião de sua entrada nos estabelecimentos penitenciários, deverão ser submetidos a uma visita médica, destinada a verificar, tão exatamente quão possível seja, o seu estado sanitário e a sua constituição física, assim como também com o fim de poder ser conhecida a sua maneira de viver anterior. Além disto, deverão ser submetidos a pesagens periódicas.
Convirá que seja estabelecido um regime de alimentação especial para aqueles que apresentem qualquer alteração de constituição, assim como para aqueles que porventura se encontrem em locais infestados de doenças endêmicas.
“Os serviços médicos do estabelecimento se esforçarão para diagnosticar e tratar todas as deficiências ou enfermidades físicas ou mentais que constituam obstáculo à readaptação do recluso. Para alcançar este objetivo, deverá fazer-se o tratamento médico, cirúrgico e psiquiátrico julgado necessário” (ONU – Regras mínimas para o tratamento dos reclusos, item 62).
Foi a partir do começo do século XX que a pena privativa de liberdade adquiriu predominância absoluta, passando a ser objeto de preocupação dos juristas e sociólogos. Surgiu, então, a chamada Ciência Penitenciária, que, evoluindo, ao não voltar suas vistas exclusivamente para a vida nas prisões, adquiriu os nomes de Penologia, Direito da Execução Penal, etc. Isto porque, de fato, nem sequer a pena privativa de liberdade é, atualmente, cumprida integralmente – e nem sempre em estabelecimentos fechados. Muitas vezes é cumprida em liberdade. Pode consistir em medidas executadas no meio livre.
E, como se vê na doutrina e na jurisprudência dos tribunais, a execução das penas em liberdade desperta mais interesse do que a execução das penas em instituições fechadas, muito embora esta última ofereça maiores problemas.
O Estado, ao editar as normas penais, estabelece os fatos que constituem crime, as penas e outras medidas destinadas aos infratores. Quando, no crime, são violadas tais normas, surge, para o Estado, o direito de aplicar a pena.
Nos regimes constitucionais, ou onde efetivamente existe um Estado de Direito, esse Direito de Punir (ius puniendi) é monopólio do Estado e compreende três fases: 1. a determinação clara e precisa dos tipos penais; 2. o devido processo legal; e, 3. a execução penal.
Antes de mais nada, é feita a ameaça através de preceitos taxativos e inconfundíveis da lei; em seguida, instaura-se a ação penal, cumprindo-se rigorosamente os ritos prescritos nas leis processuais penais; e, finalmente, vem a execução penal.
A primeira fase representa um aspecto abstrato e condicionado do direito de punir do Estado, dirigido àqueles que possam delinqüir; na segunda, dá-se o seu reconhecimento in concreto com relação a indivíduo determinado, declarado culpado e responsável. Na terceira fase passa-se à aplicação da pena àquele que foi reconhecido e confirmado como infrator.
Frente ao autor de um crime, o Estado tem o direito subjetivo de punir. Esse direito subjetivo é preexistente ao crime, e poderia ser exercido de imediato pelo Estado. Mas como o exercício desse direito intervém na esfera de liberdade do indivíduo, o Estado, numa sociedade organizada, ou seja, o Estado de Direito, se autolimita e pede, primeiramente, ao Poder jurisdicional, a declaração de certeza da existência desse direito – o que é feito através da sentença condenatória transitada em julgado.

CONCLUSÕES

Como se conclui dessa resumida análise, toda e qualquer reforma da Lei das Execuções Penais terá, obrigatoriamente, que ser precedida:
1. de uma revisão dos Tratados Internacionais celebrados pelo nosso país em torno do assunto.
2. de uma ampla reforma constitucional que represente o rompimento com as teorias vigentes e adotadas, com calor e entusiasmo, na legislação atual.

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