O inquérito policial é atividade administrativa que visa a recolher elementos bastantes para ensejar o oferecimento de denúncia.
Há, sem dúvida, íntima relação entre o inquérito e a ação penal. Aliás, não se confundem os dois institutos. Não é, porém, de desprezar-se a importância do inquérito. Tanto assim, pode arrimar o decreto da prisão preventiva. E mais. Justificar a prisão temporária.
O inquérito policial, é certo, não condena ninguém. O status de condenado, face ao princípio da presunção de inocência, só resulta da sentença penal condenatória transitada em julgado. Não é, contudo, isento de significativas conseqüências. Tanto assim, a jurisprudência é firme, enseja o habeas corpus para trancá-lo, pondo-lhe ponto final.
Costuma-se dizer que o inquérito não caracteriza constrangimento. Ledo engano! Tantas vezes (notadamente para o público que não distingue inquérito de ação penal) os efeitos são os mesmos. As restrições, em conseqüência, se repetem. A filosofia popular, até certo ponto, estigmatiza a atividade do Judiciário (o povo não distingue inquérito de ação). Muitas pessoas, desejando passar auto-atestado de bom comportamento, evidenciando não cometer ilícitos penais, repetem, com ênfase: nunca fui chamado à Justiça, nem mesmo como testemunha!!!
O inquérito policial é constrangimento, sim! Em primeiro lugar, trata de ilícito penal (crime, ou contravenção penal); como, de modo geral, somente parte da sociedade (a menos protegida) é indiciada (a cifra negra é criminologicamente explicada), por si só, traduz capitis diminutio. Isso sem falar, na identificação que compreende o tocar piano (identificação datiloscópica) e a fotografia.
O indiciado é um possível criminoso. Até prova em contrário (aqui, há evidente descompasso entre o ordenamento constitucional/penal e o entendimento popular). Quem duvidar, ou com insensibilidade ficar restrito aos gabinetes, se tiver a infelicidade de ser indiciado, não tenho dúvida, mudará de opinião. Se um jovem estiver indiciado, notadamente por crime contra o patrimônio, pretender prestar concurso público, ou postular um emprego, se lhe for solicitado, trazer a “folha corrida” (inclui o inquérito policial), não há dúvida, é prova provada, haverá restrições para não dizer recusa. Mandados de segurança têm sido impetrados para vencer as resistências. Imagine-se se o jovem pretender ser bancário!!!
O máximo que pode acontecer é receber uma resposta (negativa) bem educada.
Dizer que o inquérito policial não caracteriza constrangimento é desconhecer a sociedade, fugir do óbvio, esconder a cabeça como o avestruz.
O Judiciário precisa ficar atento a esse fato. Ultrapassado (ainda parcialmente) o período de a interpretação da lei ser mero silogismo. O juiz deve, antes da sentença, indagar, a si mesmo, o sentido social de sua decisão. O Direito disciplina, orienta, ordena a vida social; precisa apreender, por isso, todos os pormenores. Direito é meio para realizar valores. Não é mero jogo de lógica menor. Cumpre voltar-se para a lógica existencial.
Impõe-se, por isso, observar o tempo do inquérito policial. Não pode ir além de prazo razoável. Inadmissível perdurar por um ano, dois, três, quatro anos. Tem-se, então, simples pingue-pongue. O delegado, ou o Ministério Público solicitam ao juiz prorrogação do prazo porque necessário coligir novas provas. O prazo é consentido. Novo prazo é solicitado porque o tempo não foi bastante. A história se repete. Passa um ano, passam dois ou mais anos. Não há arquivamento, nem o Ministério Público oferece denúncia. Durante o vaivém o indiciado sofre os mesmos constrangimentos.
Pergunto: isso é certo, razoável, justo?
Afirmar que o inquérito não traduz constrangimento é armar premissa falsa. Injusto, nada mais injusto. Pergunto, então: é legal (a pergunta se põe porque ainda predomina entre nós a Escola da Exegese, que não sabe raciocinar sem a lei!). O princípio da razoabilidade (adotado em nosso Direito) deve ser o referencial. Ultrapassado o prazo visto nessa perspectiva, impõe-se concluir o inquérito. Não impedirá, outrossim, continuar as investigações até que se complete o prazo da prescrição.
Cumpre, então, conjugando-se os princípios, cessar o estado de indiciado após certo tempo de instauração do inquérito policial. Há, sim, casos complexos, de difícil elucidação. Não se pode sacrificar o interesse público. A conciliação é o ponto da sabedoria. Continuará o inquérito até o prazo da prescrição, podendo prosseguir as diligências. Com isso, conciliam-se o interesse individual e coletivo. O que se evidencia inadmissível é o prolongamento (tantas vezes, a penalização) do inquérito, projetando o constrangimento ao indiciado, tantas vezes injustamente envolvido. O Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana Sobre Direitos Humanos), aprovado aos 28 de novembro de 1969, acolhido pelo Direito Brasileiro (recentemente, também a aceitação das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos), no art. 8º Garantias Judiciais recomenda o término do processo em tempo razoável para a decisão penal. Evidentemente, por analogia, recomenda-se aplicá-lo aos inquéritos policiais. Tudo mais é mero jogo formal de interpretação da lei! Cumpre, isto sim, neste início do século, mudar a ótica e interpretar-se o Direito!
Tudo o mais é lembrança do século XIX que influenciou o século XX! Napoleão foi derrotado na batalha de Waterloo; infelizmente, a Escola da Exegese ainda está presente!
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