segunda-feira, 21 de março de 2011

Exoneração de alimentos

O sistema jurídico brasileiro disciplina os alimentos, a partir da concepção no sentido de que a velhice, a doença, o desemprego, a invalidez, a pouca idade e outras causas que podem gerar a necessidade alimentar devem ser neutralizadas pelo auxílio da sociedade, tendo o legislador, por razões culturais, escolhido os parentes, os cônjuges (e ex-cônjuges) e os companheiros (e ex-companheiros) para cumprir esta função. Trata-se de dever que decorre da lei.

O mesmo ocorre no Direito Comparado, com algumas variações que dizem respeito à extensão desse direito.
O novo Código Civil, quando trata especificamente de alimentos, não os define (arts. 1.694 a 1.710). Entretanto, no art. 1.920, estabelece que “O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor”.
Diz respeito, este art. 1.920, àquilo que a doutrina designa de alimentos civis ou côngruos.
Alcance mais limitado tem a expressão alimentos naturais ou necessários, de que trata a nova lei, noção esta que se liga a situações excepcionais. Dizem respeito à verba correspondente apenas às necessidades de sobrevivência do alimentado e são devidos, com estas feições restritivas, quando, por exemplo, “a situação de necessidade resulta de culpa de quem os pleiteia” (art. 1.694, § 2º).
O mesmo se diga quanto à situação prevista pelo art. 1.704 do Código Civil de 2002, que diz respeito ao cônjuge declarado culpado pela separação. Se, apesar disso (condição esta que lhe faz perder seu direito a alimentos civis) tiver o cônjuge necessidade e não puder socorrer-se de parentes, o outro ex-cônjuge será obrigado a assegurá-los “no valor indispensável à sobrevivência”.
Quando se menciona, todavia, a expressão alimentos, sem se fazer esta distinção que hoje é feita pelo Código que entrou em vigor em janeiro de 2003, quer-se, indubitalvelmente, referir à acepção mais abrangente que açambarca o vestuário, a moradia, as despesas com a saúde e, sendo o alimentando menor de idade, abrange também a educação, levando-se em conta, para a fixação do quantum da pensão, o equilíbrio entre a necessidade do destinatário da pensão e a possibilidade do obrigado. Os alimentos são dotados, portanto, da função de garantir a sobrevivência do ser humano, esteja em processo de desenvolvimento físico e mental, ou simplesmente diante de obstáculo intransponível, ainda que temporário, para prover o próprio sustento.
Diante da importância do direito aos alimentos, o Estado determina que estes sejam providos imediata e continuamente, através de prestações sucessivas, exigíveis enquanto perdurarem a necessidade e a possibilidade que, somadas ao liame de parentesco, conjugal ou de companheirismo, fazem nascer o dever alimentar.
Assim, a obrigação de prestar alimentos, entre aqueles que mantêm vínculo de parentesco, conjugal ou de companheirismo (CC, art. 1.694)1, tem como pressupostos a necessidade do alimentando, a possibilidade do alimentante e a proporcionalidade entre esses fatores (CC, art. 1.694, § 1º e art. 1.695)2.
Essa obrigação, devido à sua natureza pessoal, cessa pela morte do alimentando3 e, ainda, pelo desaparecimento de um dos pressupostos antes mencionados. Em verdade, desaparecendo a necessidade do alimentando ou a possibilidade do alimentante4, o dever alimentar se extingue. Contudo, desde que fixados os alimentos por decisão judicial, torna-se imprescindível outra decisão judicial que declare extinta a obrigação de prestá-los (ou reduza a prestação, na hipótese de diminuição da necessidade do alimentando ou da possibilidade do alimentante). Até que se profira essa nova decisão, os alimentos consideram-se devidos.
Portanto, ainda que o dever alimentar se extinga no momento em que um de seus pressupostos deixe de existir, para que cesse a obrigação de prestar alimentos, o alimentante deve formular pedido de exoneração (CC, art. 1.699)5. É importante salientar, nesse ponto, que não é devida a restituição dos alimentos prestados antes de ter sido ajuizado o pedido de extinção da obrigação, pois antes da sentença que exonera o alimentante, se considera que os alimentos são devidos.6
Sobre o tema, merece destaque, entre as inovações introduzidas pelo Código Civil de 2002, a ampliação das causas de extinção do dever alimentar. O art. 1.708 dispõe: “Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar pensão alimentícia.
Parágrafo único. Com relação ao cônjuge credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno”.
No caput do dispositivo citado, o legislador apenas confirmou entendimento já consolidado em nosso sistema jurídico.7 Mas, a inovação do parágrafo único é bastante interessante. Veja-se que o mesmo Código, no parágrafo único do art. 1.704, dispõe que, se o cônjuge considerado responsável pela separação litigiosa “vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência”.
Assim, será legalmente admissível, ainda que possa causar alguma perplexidade, a seguinte situação: o cônjuge que, na constância do casamento, não respeitou os deveres inerentes ao casamento (por exemplo, o dever de fidelidade) poderá, desde que comprovada sua necessidade, fazer jus aos alimentos; esse mesmo cônjuge, se depois da separação, vier a adotar procedimento indigno, poderá perder o direito aos alimentos anteriormente fixados. Esta expressão comportamento indigno diz respeito, por exemplo, à circunstância de o alimentado delinqüir, prostituir-se, drogar-se, etc.
Feitas essas considerações, cabe, por fim, salientar que o pedido de exoneração deverá ser formulado em ação autônoma, pelo rito ordinário. A petição inicial deverá observar os requisitos do art. 282 do CPC, e estar acompanhada de cópia autenticada da decisão que fixou os alimentos.
Questão interessante diz respeito aos efeitos em que deve ser recebida apelação interposta de sentença que tenha julgado procedente ação de exoneração de pensão alimentícia. É que o CPC, no art. 520, II, alude apenas à sentença de procedência da ação de alimentos. Seria adequada a interpretação analógica? Pensamos que não, já que o art. 520 é dispositivo de natureza excepcional e como tal deve ser interpretado.
Diferentemente ocorre, todavia, se, no curso do processo, houver decisão antecipatória de tutela e se esta for confirmada pela sentença ou se houver antecipação de tutela na própria sentença, o que, sem dúvida, pode ocorrer. Neste caso, hoje, por força de lei expressa, a sentença deverá produzir efeitos imediatamente (art. 20, VII), ou seja, a apelação deverá ser recebida sem efeito suspensivo.
É voz corrente na doutrina que não há produção de coisa julgada nas ações de alimentos. Esta afirmativa há de ser entendida com um certo temperamento. De fato, as sentenças proferidas nestas ações não têm a definitividade nem a imutabilidade que caracteriza como regra geral os provimentos jurisdicionais finais sobre o mérito. Mas isto significa exclusivamente que, alterada a situação fática, respeitante às necessidades do alimentado e/ou às possibilidades do alimentante, pode-se pleitear outro provimento jurisdicional de mérito para disciplinar esta nova situação. Note-se, pois, que a ausência de coisa julgada não significa ausência de autoridade do julgado anterior, respeitantemente à situação antes existente.
O mesmo ocorre em ações em que o alimentante pleiteia exoneração temporária da obrigação de prestar alimentos, por exemplo, por estar desempregado. E, pensamos, nada impede que, excepcionalmente, até numa ação em que alguém tenha pleiteado exoneração (pretensamente definitiva) porque o alimentado, ainda que menor, tenha, por exemplo, recebido uma herança, se este vier a perder tudo (talvez em virtude de uma disputa judicial) e voltar a ter necessidade alimentar, venha este menor a pleitear junto ao alimentante, novamente, alimentos.
Passa-se, então, a apresentar uma situação fática que autoriza o pedido de exoneração dos alimentos judicialmente fixados, acompanhada de esboço da respectiva petição inicial: A foi casado com B, tendo sido fixado, por ocasião da separação judicial de ambos, que A pagaria a B, a título de pensão alimentícia, mensalmente, o valor correspondente a dois salários mínimos. Decorrido um ano da separação, e estando A cumprindo satisfatoriamente com a obrigação alimentar, B constituiu união estável, extinguindo-se, nos termos da lei, o dever alimentar de A. Este, então, para que fosse declarada extinta a obrigação fixada, ajuizou pedido de exoneração, na forma abaixo.

MODELO


Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da ... Vara de Família da Comarca de ...

A (qualificação completa), por seu advogado adiante assinado, constituído nos termos do instrumento de mandato incluso, vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, para requerer EXONERAÇÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR, em face de B (qualificação completa), pelas razões de fato e de direito que passa a aduzir:
I – Dos Fatos.
Por ocasião da separação judicial das partes, foi determinado que o ora Requerente pagaria à ora Requerida, mensalmente, uma pensão alimentícia no valor correspondente a dois salários mínimos.
Essa obrigação alimentar vem sendo cumprida pelo Requerente, nos termos fixados. No entanto, decorrido um ano da separação – e conseqüente fixação da pensão alimentícia –, B veio a constituir união estável com C, com quem já reside há aproximadamente três meses, tendo-se, assim, extinto o dever alimentar do Requerente.
II – Do Direito.
Entre as causas de extinção do dever alimentar, o Código Civil, no caput do art. 1.708 dispõe: “Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar pensão alimentícia”.
O mesmo Código, ao disciplinar as uniões estáveis, prevê, no art. 1.724, que “as relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos”.
Assim, tendo B constituído união estável com C, este passa a ter o dever de assistência em relação à companheira, cessando o dever alimentar do ex-cônjuge.
III – Do Pedido.
Diante do exposto, requer:
a) seja concedida, diante da prova inequívoca da verossimilhança das alegações, e dos danos de dificílima reparação a que está sujeito o Requerente até a decisão final, a antecipação dos efeitos da tutela, nos termos do art. 273, I, do CPC;
b) seja, ao final, declarada extinta a obrigação do Requerente de prestar alimentos à Requerida, em razão da união estável por ela constituída;
c) seja a Requerida citada para, querendo, contestar a presente no prazo legal, pena de revelia.
IV – Das Provas.
Requer a produção das provas admitidas em direito, especialmente depoimento pessoal da Requerida, oitiva de testemunhas e juntada de novos documentos, a fim de demonstrar a existência de união estável entre B e C.
V – Valor da Causa.
Dá-se à causa, o valor de R$ 2.400,00.

Espera deferimento.
Local, data.

NOTAS:

1 CC, art. 1.694: “Podem os parentes, os cônjuges ou conviventes pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”.

2 CC, art. 1.694, § 1º: “Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”; CC, art. 1.695: “São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, a própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”.

3 Sobrevindo a morte do alimentante, o Código Civil de 2002 inova ao estabelecer, em relação aos alimentos decorrentes do parentesco, que “a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694” (art. 1.700).

4 O desemprego não tem sido considerado causa determinante para a exoneração da obrigação alimentar, podendo apenas suspender o pagamento das pensões.

5 CC, art. 1.699: “Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação patrimonial de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou agravação do encargo”.

6 Devem ser restituídas as prestações recebidas entre o pedido de exoneração e a decisão final de procedência desse pedido.

7 Note-se que, em relação ao devedor de alimentos, o casamento, a união estável ou o concubinato, não extinguem a obrigação alimentar, que ficará suscetível tão-somente de redução.

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