quarta-feira, 2 de março de 2011

Direito Penal do Amor

Vendo as imagens da guerra urbana vivida no Rio de Janeiro, que revelam uma sucessão de atos atrozes os quais atentam diretamente contra os irmãos cariocas, mas chocam toda a sociedade brasileira, demonstrando os caminhos que estamos trilhando e o que nos espera no futuro próximo, confesso, para a minha própria surpresa, que não mais me assusto, por uma razão muito simples. A lide forense na seara criminal me faz vivenciar esse cotidiano, em menor grau que a concentração vivenciada pelos co-irmãos cariocas, mas de mesma intensidade, pois uma coisa é fato: o crime está encalacrado na cultura e na memória da sofrida sociedade brasileira e recebe fortes estímulos para crescer e ganhar musculatura. Isso é fato. O crime grassa e aumenta em progressão geométrica no país, pois alimentado nas duas pontas: a miséria social em que vive a maior parcela dos criminosos, desprovidos de ações de estado que retire o povo do limbo aliada à timidez no combate à criminalidade. Quanto a esta última, temos o dever de deixar o rei nu. Na seara do direito criminal, de 1988 para cá, após o advento da Constituição Brasileira, alguns juristas, intérpretes da lei, ou maliciosamente, em causa própria, ou de modo inocente, mas para estarem na moda, começaram a lançar um movimento denominado Direito Penal Mínimo, Direito Penal Moderno, Direito Penal Constitucional (em uma visão estrábica e interesseira da Constituição). Para estes "estudiosos", aqueles que não rezam nesta cartilha, que lutam por um tratamento penal mais rigoroso para os criminosos perigosos, violentos, que transgridem com seus crimes os laços mais elementares de fraternidade, de convívio social minimamente harmônico, são rotulados de "nazistas", implacáveis e defensores de um tal Direito Penal do Inimigo, como rotularam. Pois é, caro amigo, a moda pegou. Ganhou coro nas academias de direito e recebe aplausos em palestras, ganhando cada vez mais destaque nos manuais utilizados no curso de Direito Penal e Processual Penal ministrados pelo Brasil. Sob esse mesmo impulso, o Conselho Nacional de Justiça, com a aquiescência do Conselho Nacional do Ministério Público, vejam, passou a fazer mutirões carcerários para tirar dos "calabouços e masmorras" dos Estados da Federação, milhares de "inocentes" presos "injustamente", gabando-se de ter libertado 27.855 presos e concedido 48.873 benefícios, segundo os dados oficiais.
O Processo Penal dito "constitucional", em que a prisão é excepcionalíssima e a liberdade do criminoso é quase absoluta, faça o que fizer o latrocida, o homicida, o traficante, o estuprador, também virou moda, e ninguém pode ser preso senão depois do caso definitivamente julgado, o que leva, em média, 10 a 15 anos. Após algumas operações de sucesso da Polícia Federal e do Ministério Público, que desarticularam quadrilhas de colarinho branco, prendendo e punindo poderosos de todos os matizes, pseudoempresários de sucesso que parasitaram o estado por décadas, famílias aristocráticas nunca antes sujeitas à lei, políticos do mais alto escalão e autoridades de todos os poderes, saiu-se no Supremo Tribunal Federal com a pérola de que estávamos vivendo em um Estado Policial, um Estado de Exceção em virtude do excessivo rigor que o crime estava sendo combatido e, caso a Suprema Corte não se levantasse contra os supostos abusos, como a última tábua de salvação, as garantias dos cidadãos de bem e o Estado Democrático de Direito corriam sério risco. Pura balela e manipulação infeliz do que pretendem, em essência, a Constituição e o Estado Democrático de direito. A interceptação telefônica, que serviu como poderoso instrumento de combate ao crime em grandes investigações serviu de bode expiatório, foi a "bola da vez", e então grande parte dos homens da justiça, encastelados nos Tribunais, passaram a limitar, demasiadamente, esse meio de prova, que corre sério risco de extinção. O Poder Executivo Federal, isso mesmo, o Presidente da República, assinou, por anos seguidos, indultos natalinos, que colocaram milhares de bandidos nas ruas para desfrutarem do "nascimento do filho de Davi" em liberdade e, via reflexa, obrigaram os cidadãos de bem a trancarem-se em suas casas e redobrarem a cautela para, ao menos, passarem o natal vivo, com suas famílias. O Supremo Tribunal Federal, recentemente, admitiu, com efeitos para todo o país, que um traficante possa cumprir pena prestando serviços comunitários.
Estamos em plena guerra urbana e o que se vê, ao menos em nível de futuras alterações legislativas e nos salões dos Tribunais superiores são teorias cada vez mais libertárias, com maiores benefícios para os criminosos, numa tendência quase irreversível de enfraquecimento das instituições de segurança pública e dos instrumentos de combate ao crime. É quase um convite à delinquência. Nuncaantes na história desse país, parafraseando o timoneiro-mor do Brasil, se viu conjugado o verbo delinquir em todos os tempos. É a criminalidade do passado, do presente e, infelizmente, do futuro da nação. Não precisa ir longe nem ser doutor em direito penal para fazer um diagnóstico do cenário em que vivemos: O Código Penal Brasileiro é de 1940 e o Código de Processo Penal Brasileiro é de 1941. Isso mesmo. Literalmente do século passado. O problema é que a dinâmica social é assustadora, o crime de hoje não é o crime passional do Rio de Janeiro da bossa nova. Tais leis, nem de longe, se prestam para reger a sociedade em que vivemos. O processo penal padece de grave crise de efetividade, não acaba nunca, não se aplicam penas definitivas e, quando se aplicam, logo surge um rosário de recursos ou dezenas de benefícios a que o "reeducando" tem direito. Alguém aqui acha que esses facínoras que aterrorizam o Rio de Janeiro são réus primários? Claro que não. São conhecidos antigos da Justiça Penal, mas certamente foram beneficiados por uma liberdade provisória, uma saída temporária, um
Será que nossas esperanças no país do futuro serão correspondidas pelo deputado federal mais votado do Brasil, Francisco Everardo Oliveira e Silva, o humorista Tiririca? Será que, num passe de mágica, ele irá capitanear, em nome dos seus eleitores e de toda a sociedade brasileira, uma cruzada de combate à criminalidade organizada no glorioso Congresso Nacional? O cenário é preocupante. É isso, mas ninguém tem coragem de falar, pois a tropa de choque já tem o discurso pronto: é um acusador sistemático, sem humanidade. É um retrógrado, ultrapassado. É um nazista, que rasga a Constituição. Mas a Constituição, como manda seu preâmbulo, se destina a reger uma sociedade em harmonia, e o crime, hoje, tem balançado as estruturas da sociedade e colocado em xeque a própria existência do Estado. Eu tenho o direito de não ser assaltado, não ser morto por motivos banais, não ter meu filho violentado sexualmente, não ficar na mira de um revólver empunhado por um facínora. Isso é o mínimo que se deve assegurar à família brasileira, custe o que custar. Já são muitos os Joãos Hélios, os Tim Lopes, as Eloás, as Isabellas. Marcinho VP, Elias Maluco, Fernandinho Beiramar, Marcola, Cacciolla, Pimenta Neves tornaram-se heróis nacionais, símbolos de um sistema penal fracassado, que agoniza de joelhos frente à criminalidade impiedosa. Se o bandido tem direitos, o cidadão honesto e a sociedade ordeira também o tem e, na ponderação de valores, na balança da justiça, estes devem preponderar sobre aqueles. O fogo na casa do vizinho é ameaça de fogo na nossa casa. O caos do Rio de Janeiro, em pouco tempo, não será "privilégio" dos cariocas, mas se hoje já é vivido em menor escala em todo o país, logo se replicará se não se mudar o rumo drasticamente. É hora de os responsáveis pelos rumos do país tomarem as rédeas. O combate frontal ao crime no Rio deve ser uma oportunidade ímpar de mostrarmos uma face esquecida deste Brasil: um país que tem homens e mulheres, em sua imensa maioria, de bem. Um país no qual transgressões, de grande ou pequena monta, são punidas com rapidez, eficiência, de modo exemplar, na exata medida de seu impacto social. Um país em que se respeitam os direitos, mormente, daqueles que são cumpridores de seus papéis sociais. Um país no qual as autoridades, especialmente os pensadores e intérpretes da lei, cumpram fielmente a única missão que a Constituição verdadeiramente lhes delegou: a proteção incondicional da sociedade. Que sejam criados instrumentos capazes de fazer frente a essa criminalidade que granjeia. Que o Judiciário dê resposta às palavras de desespero que emanam das ruas. Que a leitura de uma sentença, de um acórdão, possa silenciar o estrondo da rajada de um fuzil. Como dizia um antigo professor, cujas lições são muito atuais, o Direito Penal é punitivo mesmo, por excelência, e toda e qualquer forma de se tentar maquiar esta realidade é uma utopia, que fica bem nas academias de direito, mas não casa com a realidade. Recuperação social, reeducação e prevenção são fundamentais, mas devem ser precipuamente analisadas e tratadas no estabelecimento e execução de
políticas públicas de fortalecimento social. O resto é retórica, é romantismo penal. Onde será que estão os ferozes defensores do Abolicionismo Penal, do Direito Penal Mínimo, do Direito Penal do Amor? Se, no Rio de Janeiro, trancados em suas casas, protegidos em bairros nobres, resguardados em seus carros blindados, sob pena de sofrerem um disparo de fuzil contra sua cabeça ou serem queimados em plena via pública. Realidade é isso. Já diz o ribeirinho do rio São Francisco: quer fazer justiça, basta colocar-se no lugar do outro. E não adianta me chamar de oportunista, pois o que retrato aqui, é o que sustento diuturnamente na lida criminal, de combate ao crime, como Promotor de Justiça – sentinela avançado na defesa da sociedade. Mas não bastam as lideranças agirem, pois é fato mais que provado que os representantes só agem quando os representados os impelem a tanto. As ações não devem ser somente dos detentores de poder (executivo, legislativo e judiciário). Talvez o maior erro seja nosso que, na qualidade de mandantes, não cobramos dos mandatários, até porque a sociedade não sabe bem o que cobrar. Não sabemos o que queremos. Não há bem delineada no país sequer uma política nacional de segurança pública. As contingências do poder, as nomeações por apadrinhamento, as substituições sucessivas de ministros e secretários de estado dão solução de continuidade a algo que deveria ser perene, permanente. É postulado comum que "quem não sabe o que quer, não reconhece quando encontra". Não sabemos o que queremos, ou, quando sabemos o que (segurança), não sabemos como alcançá-lo. A sociedade brasileira nunca discutiu a fundo essa chaga. Somos cidadãos acomodados. Não cobramos. Não vamos às ruas protestar contra leis absurdamente elaboradas, contra escândalos e mais escândalos, contra mensaleiros e esquemas, contra o crime que se espraia por todos os cantos e encontra seu principal terreno fértil no coração do cidadão individualista. Nunca ocupamos o Congresso Nacional pedindo um basta. Só temos vontade de fazê-lo, quando um dos nossos é vitimado. Apenas olhamos para nossos interesses e se estão bem, o resto deixa para lá. E, nesse pensamento, o todo, o coletivo paga um preço cada vez mais caro. A crise, na verdade, é de egoísmo, de individualismo, que tem sepultado preceitos básicos de vida coletiva, em sociedade, no qual o respeito ao direito do outro equivale ao respeito ao meu direito. Definitivamente:Se vis pace, para bellum!


Fábio Galindo Silvestre

Promotor de Justiça em Minas Gerais Pós-Graduado em Inteligência de Estado Membro do GNCOC – Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas Membro do Intecrim – Instituto Brasileiro de Inteligência Criminal Membro da IALEIA – International Association of Law Enforcement Intelligence Analysts

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