segunda-feira, 21 de março de 2011

ALIMENTOS

Com o intuito de neutralizar a necessidade alimentar gerada por diversas causas, tais como a velhice, a doença, a invalidez, a pouca idade e o desemprego, o Estado intervém – de certa forma transferindo sua missão assistencial – e estabelece que são devidos alimentos, reciprocamente, entre parentes, cônjuges e ex-cônjuges, companheiros e ex-companheiros. O direito aos alimentos decorre, portanto, da lei, e estes devem ser providos imediata e continuamente, através de prestações sucessivas, exigíveis enquanto perdurarem a necessidade e a possibilidade que fazem nascer o dever alimentar.

A prestação alimentícia consiste, em geral, numa obrigação de dar quantia certa em dinheiro, e tem a função de garantir a sobrevivência do ser humano, esteja ele em processo de desenvolvimento físico e mental, ou simplesmente diante de obstáculo intransponível, ainda que temporário, para prover o próprio sustento.
O termo “alimentos” abrange sustento, vestuário, moradia, despesas com a saúde e, sendo o alimentando menor de idade, abrange também a educação, levando-se em conta o equilíbrio entre a necessidade do destinatário da pensão e a possibilidade do obrigado. É o que se depreende da regra do art. 1.920 do Código Civil, que dispõe sobre o legado de alimentos. Nos arts. 1.694 a 1.710, que tratam especificamente de alimentos, o Código Civil não os define.
A propósito, o art. 1.920, diz respeito àquilo que a doutrina designa de “alimentos civis”, devidos por disposições testamentárias. Os alimentos podem advir, também, de ato ilícito, quando o causador do dano ficar obrigado, por decisão judicial, a prestar alimentos à vítima (CC, art. 950), ou às pessoas a quem a vítima devia assistência (CC, art. 948, II).
A expressão “alimentos necessários”, por sua vez, corresponde à verba indispensável à subsistência do alimentado, devida quando “a situação de necessidade resulta de culpa de quem os pleiteia” (CC, art. 1.694, § 2º). Chamam-se necessários, também, os alimentos devidos ao cônjuge declarado culpado pela separação. Se este ex-cônjuge, apesar da culpa que o fez perder o direito a alimentos civis, vier a necessitar de alimentos e não puder socorrer-se de parentes, o outro será obrigado a assegurá-los “no valor indispensável à sobrevivência” (CC, art. 1.704, parágrafo único).
A obrigação de prestar alimentos, entre aqueles que mantêm vínculo de parentesco, conjugal ou de companheirismo (CC, art. 1.694)1, tem como pressupostos a necessidade do alimentando, a possibilidade do alimentante e a proporcionalidade entre esses fatores (CC, art. 1.694, § 1º e art. 1.695)2.
Essa obrigação tem natureza pessoal, e cessa pelo desaparecimento de seus pressupostos ou pela morte do alimentando. Sobrevindo a morte do alimentante, o legislador de 2002 inovou, estabelecendo, em relação aos alimentos decorrentes do parentesco, que “a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694” (CC, art. 1.700).
Outra inovação introduzida pelo Código Civil de 2002 foi a ampliação das causas de extinção do dever alimentar. O art. 1.708, caput, dispõe: “Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar pensão alimentícia”. E o parágrafo único, estabelece: “Com relação ao cônjuge credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno”.
A regra contida no caput do dispositivo apenas confirma entendimento já consolidado em nosso sistema jurídico. A inovação do parágrafo único, por sua vez, diante da regra do já mencionado art. 1.704, torna admissível a seguinte situação: o cônjuge que, na constância do casamento, não respeitou os deveres inerentes ao casamento (por exemplo, o dever de fidelidade) poderá, desde que comprovada a necessidade, fazer jus aos alimentos; esse mesmo cônjuge, se depois da separação, vier a adotar procedimento indigno (por exemplo, delinqüir-se, prostituir-se, drogar-se), poderá perder o direito aos alimentos anteriormente fixados.
Note-se que, em relação ao devedor de alimentos, o casamento, a união estável ou o concubinato, não extinguem a obrigação alimentar, que ficará suscetível tão-somente de redução.
Também acolhendo orientação já consolidada em nosso sistema jurídico, o Código Civil de 2002, no art. 1.698, prevê a possibilidade de se requerer pensão alimentícia complementar a parentes de grau imediatamente mais próximo, se aquele a quem se pediu não puder suportar totalmente o encargo.
No entanto, contrariando entendimento que se firmava na doutrina e na jurisprudência, o mesmo dispositivo estabelece que, proposta a ação contra um, podem ser chamados a integrar o processo todas as pessoas obrigadas, do mesmo grau de parentesco. Esta regra poderá causar dilações indevidas no processo, pois o rito especial da ação de alimentos, em princípio, não condiz com a intervenção de terceiros. E isto sem falar que o legislador de 2002, a despeito da incursão no Direito Processual, não identificou a espécie de intervenção de terceiro, aqui sugerida.
Como referido no parágrafo anterior, a ação de alimentos é de rito especial, por força da Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968. Esta lei – que exige prova pré-constituída da “causa” do dever alimentar – permite a fixação, desde logo, de alimentos provisórios (art. 4º), e concentra os atos em audiência de tentativa de conciliação, instrução e julgamento (arts. 5º e 6º).
Além dos alimentos provisórios (concedidos por liminar, em ação intentada com base na Lei nº 5.478), existem os alimentos provisionais e os definitivos. Provisionais, são os alimentos previstos no art. 852 do Código de Processo Civil, cujo objetivo é viabilizar a propositura e o prosseguimento da ação dita principal, destinando-se a custear as despesas do processo e a atender às necessidades ligadas à sobrevivência da parte. Definitivos, são tanto aqueles fixados na sentença da ação especial, quanto os pleiteados em ação de rito ordinário.
Evidentemente, aqueles cujas relações de parentesco, conjugais ou de companheirismo, já se encontram provadas, não precisam se servir da medida cautelar de alimentos provisionais, pois podem se valer da tutela especial de alimentos (Lei nº 5.478). É oportuno observar, também, que, nas ações de rito ordinário, por força do art. 273 do CPC, também podem ser concedidos alimentos em caráter liminar. Portanto, na verdade, embora se possa ainda mencionar a existência de alimentos provisórios, definitivos e provisionais (cautelares), em face do sistema atual estas diferenças perdem em muito a sua importância.
Costuma-se afirmar que não há produção de coisa julgada nas ações de alimentos. Esta afirmativa há de ser entendida com um certo temperamento. De fato, as sentenças proferidas nestas ações não têm a definitividade nem a imutabilidade que caracterizam as sentenças de mérito, de modo geral. Mas isto significa tão-somente que, alterada a situação fática no tocante às necessidades do alimentado e/ou às possibilidades do alimentante, pode-se pleitear outro provimento jurisdicional de mérito para disciplinar esta nova situação. Note-se, pois, que a ausência de coisa julgada não significa ausência de autoridade do julgado anterior, quanto à situação antes existente.
Tanto é assim que até ação rescisória desta sentença tem sido admitida em certos casos, como, p. ex., o da incompetência absoluta (art. 485, II, do CPC).
A apelação interposta de sentença que tenha julgado procedente ação de alimentos deve ser recebida somente no efeito devolutivo, devendo o julgado produzir efeitos imediatamente, por força do disposto no art. 520, II, do Código de Processo Civil.
A seguir, apresenta-se um esboço de petição inicial de ação de alimentos, proposta com base na Lei nº 5.478/68.


modelo


Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da (...) Vara de Família da Comarca de (...).
Fulano..., menor impúbere, nascido em 12 de janeiro de 2000, representado por sua mãe MARIA... (qualificação completa), por seu advogado ao final assinado, constituído nos termos do instrumento de mandato incluso, com escritório na (endereço completo), vem respeitosamente requerer que Vossa Excelência determine a prestação de

ALIMENTOS

com base nos arts. 1.694 e seguintes do Código Civil e na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, em face de JOÃO (qualificação completa), pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:

Os fatos

A representante legal do autor e o réu mantiveram relacionamento amoroso pelo período de um ano, o qual não chegou a constituir uma união estável.
Desse relacionamento nasceu o autor, em 12 de janeiro de 2000, conforme certidão de nascimento anexa.
A despeito de ter reconhecido o filho, o réu jamais contribuiu para o seu sustento. Desde o nascimento, todas as necessidades do autor foram supridas exclusivamente pela mãe.
A partir deste ano, estando o autor com três anos de idade e já freqüentando a pré-escola, as despesas com seu sustento e educação aumentaram, não tendo a mãe condições de suportá-las sem auxílio.

O direito

A Constituição Federal estabelece, no art. 229, que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
O Código Civil, no art. 1.694, prevê a possibilidade de os parentes pedirem uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. E, no art. 1.696, prevê o direito à prestação de alimentos, reciprocamente, entre pais e filhos, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
No caso em exame, o réu tem o dever legal de prestar alimentos ao autor, e, sendo profissional bem sucedido, pode fornecê-los sem prejuízo de seu sustento.
As despesas do autor somam, atualmente, R$... (recomenda-se discriminar). A representante legal do autor continuará a arcar com parte dessas despesas, proporcionalmente aos seus vencimentos mensais, que importam em R$...
Assim, deverá o réu contribuir com o equivalente a ... salários mínimos mensais, a fim de garantir ao autor sustento, vestuário, moradia, saúde e educação.

O pedido

Diante do exposto, requer-se a Vossa Excelência, ouvido o d. representante do Ministério Público:

a) seja o réu condenado a prestar alimentos provisórios, nos termos do art. 4º da Lei 5.478/98, no valor correspondente a ... salários mínimos mensais, a serem pagos até o quinto dia útil de cada mês, à representante legal do autor, mediante recibo (poderá ser fornecido número de conta corrente, para depósito bancário);
b) seja o réu citado para, querendo, contestar a presente no prazo legal, sob pena de revelia;
c) sejam os alimentos provisórios convertidos em definitivos, por ocasião da sentença;
d) (sendo o réu empregado, poderá ser requerida a expedição de ofício para desconto em folha de pagamento).
Requer-se a produção dos meios de prova admitidos em direito, especialmente documental e testemunhal.
Dá-se à causa o valor de R$ ... (correspondente a 12 prestações mensais).
Espera deferimento.

(Local, data)

____________
advogado/OAB

NOTAS
1 CC, art. 1.694: “Podem os parentes, os cônjuges ou conviventes pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”.

2 CC, art. 1.694, § 1º: “Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”; CC, art. 1.695: “São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, a própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”.

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