Antes de tudo, fazemos algumas observações sobre a adjetivação das ações na intervenção de terceiros.
Seria sempre correto falar-se em “ação principal”? O correto não seria “ação originária” e “ação secundária”? Se existe ação principal, existe também ação acessória em todas as intervenções de terceiros. Se o acessório segue o destino do principal (necessário destino), tem-se que, extinta a ação principal, será extinta também a ação acessória. Mas isso não acontece como, por exemplo, na oposição (interpretação analógica do art. 317) onde existe autonomia entre duas ações. De maneira que a extinção da ação originária não implica a extinção da ação secundária. Como exceção à regra, tem-se que a denunciação da lide é uma verdadeira ação acessória.
Todavia, se considerarmos para definir como principal e acessório apenas o aspecto de que, “a existência do acessório depende da existência do principal”, abstraindo a regra do “necessário destino”, e considerando que o código (art. 109) fala que a competência para conhecer das ações de intervenção de terceiros é do juiz da “causa principal”, podemos usar indiferentemente os termos “principal” e “originário”.
Usarei nessa obra os dois, com preferência ao termo “ação originária”.
RES INTER ALIOS IUDICATA NEC PRODEST, NEC NOCET
O brocardo romano acima é a idéia fixada no caput do art. 472, 1ª parte: “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”. São os limites subjetivos da coisa julgada.
Tais limites, entretanto, muitas vezes são rompidos como nas ações coletivas, nas ações civis públicas, nas ações diretas de inconstitucionalidade, etc... (Coisa julgada erga omnes).
Mesmo na coisa julgada inter omnes, os efeitos da sentença e da coisa julgada podem recair reflexamente sobre interesses jurídicos de terceiros, estranhos ao processo, verbi gratia, o interesse do locatário em permanecer no imóvel a respeito do qual o locador e outrem discutem a propriedade do bem. É verdade que a sentença faz coisa julgada somente entre as partes, mas se o locador restar vencido, é claro que o locatário sofrerá o prejuízo dos efeitos da sentença.
Daí assentar Moacyr Amaral Santos que, no que concerne a esses terceiros, “A fim de obviar ou reduzir os perigos da extensão dos efeitos alheios à relação processual, o direito os admite, em certos casos, intervir no processo em que não sejam partes, de modo que do processo se valham para defesa de seus direitos ou interesses, sujeitando-se, assim, à sentença a ser proferida”.1
CONCEITO
“Ocorre o fenômeno processual chamado intervenção de terceiro quando alguém ingressa, como parte ou coadjuvante da parte, em processo pendente entre outras partes.2”
Ovídio Baptista diz que “há intervenção de terceiros no processo quando alguém dele participa sem ser parte na causa, com o fim de auxiliar ou excluir os litigantes, para defender algum direito ou interesse próprios que possam ser prejudicados pela sentença”.3
Marcelo Alves4 diz que intervenção de terceiro ocorre quando alguém ingressa, nas hipóteses previstas em lei, em processo de outrem. E salienta “fica claro que o terceiro que ingressa não é parte, mas, estranho à lide”.
Vê-se que Ovídio Baptista afirma que há intervenção de terceiros em processo quando alguém dele participa sem ser parte, algo que discordo. Marcelo Alves tem mais cautela em seu conceito, mas está correto. Humberto Theodoro dá a definição sobre o instituto que acho exata.
A priori, pode-se afirmar que, se alguém ingressa como parte, o processo deixa de ser alheio para ser próprio. Logicamente ninguém intervirá em processo próprio. De maneira que sempre se intervirá em processo alheio, como coadjuvante de alguma das partes ou para excluí-las.
Todavia, quando se quer dizer que se ingressa como parte em processo alheio, se diz que uma terceira pessoa intervém num processo originariamente estabelecido entre estranhos (e, portanto, é terceiro antes da intervenção), mas que, eventualmente, poderá se converter em parte.
O essencial para caracterizar-se o instituto, conforme os grifos dos conceitos supra, é a intervenção em “processo (unidade ou pluralidade de relações processuais acrescido de necessária unidade procedimental) alheio pendente” e não que seja imprescindível o ingresso na relação jurídica processual originária. Na oposição como “forma de intervenção no processo” há duas ações, duas relações processuais e um processo. O terceiro que ingressa no processo alheio se torna “parte” na ação secundária, enquanto que na originária ele não intervém em absolutamente nada. Obviamente não tem interesse em ajudar ninguém, porquanto interesse é de “excluir”, mas esta finalidade é alcançada naturalmente pela ação secundária. A nomeação à autoria clássica, cuja finalidade é corrigir a legitimidade passiva, faz operar a troca da posição ré, entre o detentor e o proprietário ou possuidor na ação originária e “única”. Daí estes últimos intervirem como partes em processo originariamente estabelecido entre estranhos. E realmente intervêm como partes, dada que a finalidade da nomeação e a voluntariedade da intervenção os permitem penetrar como partes na mesma relação processual, ocorrendo um fenômeno assemelhado à figura da sucessão processual. Por isso, corretas as definições de Humberto Theodoro e de Marcelo Alves.
Representação gráfica de pensamentos sobre o instituto
O gráfico 1 representa o pensamento de que só há intervenção de terceiros quando se intervém na ação originária; o gráfico 2 representa o pensamento daqueles que acreditam na suficiência da intervenção no processo.
A conseqüência é a seguinte: no gráfico 1, se o denunciado não intervir na ação originária como assistente do denunciante não haverá intervenção de terceiro. Ocorre que haverá a hipótese de denunciação da lide sem que haja “intervenção de terceiros”. E isto ocorre porque não é dado ao denunciado escusar-se do processo: “ainda que negue a qualidade que lhe é imputada pelo denunciante, como o denunciado é réu na ação secundária de denunciação, não pode retirar-se do processo. Nele permanecerá até final sentença.”5
No gráfico 2, a intervenção de terceiro ocorrerá mesmo que não haja vinculação do denunciado na ação originária, pois, como disse, a intervenção de terceiro é intervenção no “processo” e não intervenção na relação processual originária (o terceiro ingressa como parte, na ação secundária, em processo alheio pendente).
A intervenção de terceiro é o ingresso no processo conforme todos os conceitos dos processualistas supracitados.
INGRESSO De TERCEIRO NO PROCESSO
PENDENTE ENTRE OUTRAS PARTES
CARACTERÍSTICAS DO INSTITUTO
Primeiro diga-se que é uma intervenção de alguém em processo alheio pendente.
Destarte, penso que a imprescindibilidade é o ingresso no processo e não na relação processual originária. Fica claro, também, que ele deve estar em curso.
Diga-se ainda que a intervenção de terceiros se rege pelo “princípio da adequação legal”: “somente ocorre tal incidente processual, nas hipóteses em que a lei determinar”. Assim, v.g., na “nomeação à autoria”, quando o disposto no art. 64 reza que (...) o juiz, ao deferir o pedido..., está na realidade querendo dizer que o magistrado terá de fazer uma análise formal para verificar se o caso descrito em tese se enquadra nas hipóteses de nomeação à autoria previstas em lei.
Parte da doutrina admite a nomeação à autoria do possuidor indireto ou proprietário, quando o possuidor direto for citado, em nome próprio, em ação reivindicatória. Tal pensamento viola o princípio da adequação legal. Ademais, sendo a intervenção de terceiros uma exceção dentro do sistema processual, deve ser interpretado restritivamente.
Outro aspecto a destacar quanto à intervenção de terceiro, é que o ingresso será “voluntário e espontâneo” nas espécies de assistência e oposição; “voluntário e provocado” na nomeação à autoria e “involuntário”, id est, independentemente da vontade do terceiro, na denunciação da lide e no chamamento ao processo.
A espontaneidade é espécie da voluntariedade, pois “o querer pode nascer da própria pessoa” sem influência de agentes externos. Seguindo-se a linha filosófica de Descartes, a espontaneidade é aparente, pois se quando nascemos somos uma folha de papel em branco de maneira que aí se gravam as impressões da vida, extrai-se que o ser humano é a reação particular de cada um às impressões deixadas no espírito. Entrementes, sem penetrar no mérito da discussão filosófica, o que se quer dizer é que “a vontade para ser espontânea não pode ser resultado de uma provocação direta e imediata por parte de outrem, pois caso seja, e não viciada, será “vontade provocada”. Ainda que provocada, a vontade pode resistir e ser contrária à intenção do ato provocado. O elemento intrínseco da vontade é a liberdade: “quer quem quer; vai se quiser”. O livre arbítrio é a discrição por excelência.
Todavia, a doutrina predominante é que a intervenção de terceiros será sempre voluntária. A despeito de autores se contradizerem ao afirmarem a voluntariedade da intervenção e, ao mesmo tempo defenderem idéias como a de que o chamamento ao processo é forma de ampliação subjetiva da relação processual, formando-se um “litisconsórcio passivo facultativo ulterior”. Resta claro de que não há voluntariedade no chamamento ao processo, pois só haveria uma ação, de onde o terceiro (chamado) não se poderia esquivar. Ademais, onde haveria voluntariedade do denunciado na denunciação da lide? Uma vez citado, estará integralizado na relação processual secundária. Pode, apenas, deixar de contestar, tornando-se revel.
Entendo eu que o sentido da voluntariedade quer dizer: “o juiz não pode obrigar, ex officio, o ingresso de um terceiro no processo”. Vejamos a doutrina:
• Humberto Theodoro: “A intervenção de terceiros é sempre voluntária, sendo injurídico pensar que a lei possa obrigar o estranho a ingressar no processo. O que ocorre, muitas vezes, é a provocação de uma das partes do processo pendente para que o terceiro venha a integrar a relação processual. Mas ‘a possibilidade de o juiz obrigar, por ato de ofício, o terceiro a ingressar em juízo deve hoje ser contestada. O juiz não pode, inquisitorialmente, trazer o terceiro a juízo’. ”
• Athos Gusmão Carneiro cita Hélio Tornaghi e faz suas ressalvas: “Afirmou Hélio Tornaghi que a intervenção de terceiro ‘é sempre voluntária. Não há lei que permita, a ninguém, obrigar o terceiro a ingressar no processo’ (Comentários ao Código de Processo Civil, Revista dos Tribunais, 1974, v. 1, p. 236).
A afirmativa deve ser entendida em termos. É verdadeira na ‘nomeação à autoria’, já que o nomeado pode escusar-se de ingressar na relação jurídica processual. Já o denunciado à lide, e o chamamento ao processo, uma vez citados, estão na relação jurídica processual; podem apenas, como qualquer réu, deixar de contestar, mantendo-se revéis.”
• Vicente Greco Filho: “A intervenção de terceiros somente é possível nos casos estritos previstos em lei, porque são exceções ao princípio da singularidade das partes, não se procedendo ampliar o que é excepcional. E, também, no caso de intervenção coacta6, porque o juiz não pode proceder de ofício e ninguém pode ser compelido a participar no processo a não ser segundo o devido processo legal; no caso de intervenção voluntária (ou espontânea) porque as partes primitivas têm o direito de não ter o processo perturbado pelo ingresso de terceiros fora dos casos legais”.7
A voluntariedade, sob meu ponto de vista, se cristaliza na impossibilidade de o juiz trazer de ofício um terceiro ao processo, porquanto no que se refere à lei não poder obrigar estranhos a ingressar no processo já não tem valia na denunciação da lide e no chamamento ao processo.
O atual Código de Processo Civil não inclui no Capítulo VI do título II do livro I, que alberga as hipóteses de intervenção de terceiros o instituto da “assistência”. Mas toda a doutrina considera a assistência como a mais típica espécie de intervenção de terceiros. (Ver quadro)
Humberto Theodoro Júnior afirma que essa classificação leva em conta o fato de a intervenção visar ampliar ou modificar subjetivamente a relação processual. E cita a “assistência” como exemplo.8 Sem embargo da assistência realmente participar da categoria ad coadjuvando de intervenção de terceiros, tal asserção, vênia, reveste-se de confusão. Em primeiro lugar pode-se dizer que em intervenções como, v.g., a denunciação da lide, não se amplia nem se modifica subjetivamente a relação processual, mas “cria-se” uma nova relação jurídica processual (secundária) a par da já existente (originária), e o denunciado, se quiser, intervirá na ação originária como assistente para “ajudar” o denunciante e livrar-se da ação regressiva. Em segundo lugar, pelo critério que aquele autor deu para se levar em conta a classificação, a “assistência” ficaria de fora das duas categorias, já que o assistente não é parte (não amplia) e logicamente não exclui a parte assistida da relação processual (não modifica). Na verdade essa classificação leva em conta o fato do interveniente, dentro da ação originária, auxiliar na vitória de uma das partes ou excluir uma ou ambas as partes. O terceiro, na ação originária poderá ser parte única, litisconsorte ou assistente:
A intervenção espontânea não decorre de uma provocação direta e imediata de alguma das partes do processo. Na assistência e na oposição, a iniciativa de pedir a intervenção de terceiro em processo alheio é do assistente e do opoente. São os próprios terceiros que requerem a intervenção. Já isto não acontece com os outros institutos, cuja intervenção dependerá da manifestação do devedor solidário, do adquirente, do possuidor direto, do garantido legal ou contratualmente em direito de regresso e do detentor. Quero dizer que, no plano processual, são as partes que requerem a intervenção de terceiros nestes casos.
Seguindo a doutrina, sob meu ponto de vista mais convincente, criei uma nova espécie de classificação, conforme o terceiro ingressa ad coadjuvando como parte (chamamento ao processo), ou ad coadjuvando como assistente (denunciação da lide e, o caso mais característico que é a assistência).
É de se observar, outrossim, que em algumas intervenções de terceiros há cumulações de relações processuais, de ações, mas um só processo. É o caso da denunciação da lide e da oposição oferecida antes da audiência de instrução.9 Nesse sentido é a colocação de Nélson Nery Júnior: “Denunciação da lide é ação secundária, de natureza condenatória, ajuizada no curso de outra ação condenatória principal (Sanches, RP 34/50). Haverá, na verdade, duas lides, que serão processadas em simultaneus processus e julgadas na mesma sentença (CPC, art. 76); duas relações processuais, mas um só processo”.10
É de observar, porém, que nem sempre a denunciação será ajuizada no curso de uma ação condenatória, v.g., art. 70, II (ação executiva lato sensu). Mais correto seria “ação condenatória ajuizada no curso de uma ação de conhecimento”.
Em outras intervenções não se dá o acúmulo de ações nem de relações processuais. A intervenção é mero incidente, sem natureza de ação, é mero ato processual. É o que se dá com todas as outras formas de intervenção.
A intervenção de terceiros cabe, em geral, apenas no procedimento ordinário e em alguns procedimentos especiais (nestes últimos são típicos a nomeação à autoria e a denunciação da lide, art. 70, II). Admite ainda, grande parte da doutrina, outras formas de intervenção de terceiros em procedimentos especiais, desde que contestados, assumam o rito ordinário.
É vedada qualquer intervenção nos juizados especiais (art. 10, Lei nº 9.099/95).
É típico de processo de conhecimento, embora parte da doutrina a admite em processo cautelar e de execução (Moacyr Amaral Santos; Humberto Theodoro Júnior, no que se refere à oposição no processo de execução e assistência no processo cautelar e nos embargos à execução; Arruda Alvim no tocante a assistência nos embargos de devedor). Entendo que não cabe intervenção de terceiro em processo de execução, salvo a “assistência” nos embargos à execução, que são ontologicamente processo de conhecimento. No que se refere ao processo cautelar cito a lição do Mestre Marcelo Alves:
“Excepcionalmente pode se admitir uma intervenção de terceiros (uma nomeação à autoria, uma denunciação da lide) numa ação preparatória cautelar. Não pela cautelar em si, mas pelo fato da cautelar ser preparatória de uma futura ação de conhecimento onde a intervenção seja cabível. Todavia, isto não quer dizer que se está admitindo uma intervenção de terceiros em processo cautelar.”
Arruda Alvim, ao tratar da denunciação da lide, fixa idéia semelhante:
“Quando, pela situação estrutural do processo cautelar já se sabe que, certamente, haverá denunciação da lide no processo principal, aquele, a quem a lide seria denunciada, deverá ser ouvido já no processo cautelar, embora, neste momento, não se possa ainda dizer que se trata de denunciação da lide propriamente dita”.
Conclusão – no processo cautelar preparatório existe um espelho da lide do processo principal. Se a eficácia da medida cautelar vier a atingir terceiros, como já se pode vislumbrar no processo cautelar, deve-se lhe dar ciência para ser ouvido nos autos, embora isso não se trate propriamente de intervenção de terceiros.
Não se admite no procedimento sumário, com ressalvas à assistência, o recurso de terceiro prejudicado e a intervenção fundada em contrato de seguro, caso em que se permitirá o segurado denunciar à lide a seguradora (art. 280).
Por fim, é bom lembrar que a intervenção de terceiros é exceção dentro do sistema, devendo, ipso facto, ser interpretada de forma restritiva.
A primeira seção do capítulo sobre intervenção de terceiros é dedicada à oposição. A doutrina é uniforme em assentar a natureza de “ação” da oposição. Arruda Alvim destaca a característica da “bifrontalidade” da “ação” de oposição:
AS ESPÉCIES DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS – A OPOSIÇÃO –
NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO E CONCEITO
“O ingresso do terceiro, através da oposição, implica que, a um tempo, o opoente acione tanto o autor, quanto o réu, normalmente solicitando contra o autor uma ação declaratória negativa da pretensão deste, e contra o réu uma ação de condenação. A oposição, portanto, cristaliza-se numa ação bifronte, ou, se se quiser, por uma mesma ação se colima dualidade de eficácia.”11
Athos Gusmão Carneiro declara que: “Geralmente (embora nem sempre), a oposição apresenta-se como ação declaratória em face do autor, e como ação condenatória em face do réu. Vejamos o exemplo da ação reivindicatória. A, que não está na posse da coisa e alega ser o verdadeiro dono, vem reivindicá-la de B, que está na posse. A oposição oferecida por C (o qual, por sua vez, quer a coisa para si) apresenta caráter declaratório contra A – visa obter a afirmativa de que A não é o proprietário; e pretende a condenação de B à entrega da coisa ao opoente.”12
Ovídio Baptista fala em ação executiva lato sensu e critica Pontes de Miranda quando este último afirma que a executividade de tais ações provocaria embargos de terceiro (é bom que fique claro que este texto não quer dizer que Pontes de Miranda não aceita a natureza “bifronte” (como diz Arruda Alvim) da oposição, apenas não aceita a oposição em ações de natureza executiva lato sensu):
“Contudo, não é raro conter a oposição uma demanda de natureza executiva (lato sensu) contra o réu, sendo, nesse ponto, de estranhar a afirmação de Pontes de Miranda sobre o caráter, que considera normalmente condenatório, dessa ação, declarando que a executividade de tal demanda provocaria embargos de terceiro (ob. e loc. cits.). Sendo, como ele próprio assegura, executivas, lato sensu, tanto a reintegratória de posse, quanto a ação reivindicatória; e como nós próprios procuramos demonstrar (A Ação de Imissão de Posse no Direito Brasileiro Atual, 1981, p. 61 et seq.), parece perfeitamente possível que a oposição contenha uma demanda declaratória contra o autor e outra executiva lato sensu contra o demandado. A ter-se de admitir que a natureza executiva da demanda afastaria o cabimento da oposição, cedendo esta lugar aos embargos de terceiro, haveríamos de concluir pela admissibilidade deste último remédio nas ações de despejo, depósito (art. 904), reintegração de posse e ação de reivindicação, além de outras, todas executivas, o que não está na tradição de nosso Direito.”13
Portanto, a sentença de oposição (se julgada procedente, é claro) terá natureza declaratória negativa em relação ao autor-oposto e condenatória ou executiva lato sensu em relação ao réu-oposto.
Ajuizada a ação de oposição se terá duplicidade de ações e relações jurídicas processuais num mesmo processo (obviamente um mesmo procedimento).
A necessariedade para que se tenha “apenas um processo” é a unidade procedimental, porquanto no que se refere às relações processuais, estas poderão ser múltiplas. Vejamos:
Portanto a oposição é “instituto de intervenção de terceiros que tem natureza jurídica de ação judicial de conhecimento ajuizada por terceiro (opoente) contra autor e réu (opostos), em litisconsórcio passivo necessário. Forma outra relação processual em processo alheio”. 14
Nessa linha de idéias, o terceiro tem uma pretensão sobre a coisa ou o direito litigioso disputado em juízo entre autor e réu, e visa com sua ação excluir tanto a pretensão do autor como a defesa do réu.
A pretensão do opoente pode ser “no todo ou em parte” a coisa ou o direito sobre que controvertem autor e réu (art. 56). Portanto, basta o opoente entender que “parte” da coisa litigiosa lhe pertence para deduzir ação de oposição.
A facultatividade é característica da oposição. O terceiro não pode ser atingido juridicamente num processo em que não foi parte em razão dos limites subjetivos da coisa julgada (CPC, art. 472). Não alcançado juridicamente pode perfeitamente aguardar o trânsito em julgado da sentença e ajuizar ação contra o vencedor. Todavia, pode ser atingido no mundo dos fatos, suportando um dano fático que no futuro exigirá uma ação para a reparação de seu direito porventura violado. Desde já a legislação processual permite que ingresse com uma ação no processo alheio para que neste mesmo contexto processual e numa só sentença seja solucionado ambos os litígios. A economia processual é fundamento essencial da oposição.
A doutrina costuma ressaltar a diferença entre a oposição e os embargos de terceiros, dada a verossimilhança que se poderia vislumbrar.
Embargos de terceiro é ação de conhecimento, constitutiva negativa, cuja finalidade é livrar o bem ou direito, de posse ou propriedade de terceiro, da constrição judicial que lhe foi injustamente imposta em processo de que não faz parte15.
Arruda Alvim põe em destaque a diferença: “A oposição não deve ser confundida com os embargos de terceiro, porquanto, através destes e tendo em vista as qualidades de senhor e/ou possuidor, colima-se excluir de ato judicial constritivo incidente sobre um determinado bem, a respeito do qual se alega a inviabilidade de submissão àquele ato. Já, na oposição, o que pretende o opoente é afastar as posições do autor e do réu sobre a coisa ou o direito disputado ou controvertido, em função de entender que a titularidade cabe a ele, opoente.”16
Em comum nos institutos, há que, em ambos, o terceiro se afirma titular de um direito ou coisa objeto de um processo em que não é parte.
Para uma melhor compreensão,
contraponho as diferenças
Características da oposição
A oposição é uma verdadeira ação bifronte (conforme Arruda Alvim); é espécie de intervenção ad excludendo e espontânea; a pretensão pode ser em parte ou no todo; é facultativa, podendo-se ajuizar em outro momento ação autônoma; é prejudicial à ação originária; forma cumulação de ações e de relações processuais; e tem natureza de ação declaratória negativa em relação ao autor-oposto, ação condenatória ou executiva lato sensu em relação ao réu-oposto.
Nomenclatura
O terceiro interveniente recebe o nome de opoente.
O autor e réu da demanda originária recebem o nome de opostos.
Pressupostos ou requisitos de
admissibilidade da oposição
– litispendência do processo originário (no sentido de processo em curso);
– dedução de pretensão à coisa ou o direito sobre que controvertem autor e réu;
– diversidade de causa petendi entre a pretensão do opoente e a do autor (assim como a diversidade em relação aos fundamentos do réu);
– imprescindibilidade de a oposição (ontologicamente falando) ser ajuizada antes do trânsito em julgado (conseqüência lógica dos dois primeiros pressupostos acima apontados). Ou ser ajuizada antes da publicação da sentença, para se ter a possibilidade de suspensão do processo e julgamento em conjunto com a ação originária, e receber o nomen iuris de oposição;
– que o juiz da causa (art. 109) seja competente em razão da matéria para julgar a oposição.
Competência e deslocamento
da competência
O art.109 do CPC diz que o juiz da causa principal é competente para as ações de garantia e outras que respeitam ao terceiro interveniente. Estas duas ações a que este artigo se refere são “a oposição e a denunciação da lide (esta última expressamente referida). A assistência, o chamamento ao processo e a nomeação à autoria, por sua própria natureza, só poderiam ter lugar na causa principal e, como venho insistindo, “não são ações”. Além do mais, como a intervenção de terceiros se dá dentro de um processo, é óbvio que o juiz desse mesmo processo conhecer-lo-á no todo.
Um dos requisitos da admissibilidade da oposição é a competência em razão da matéria. É a competência estabelecida em razão da natureza do direito material controvertido. Em regra é estabelecida pela organização judiciária local (varas de família, de sucessões, vara da Fazenda Pública, etc...) ressalvados os casos expressos neste código (art. 91). O juiz da causa principal deve ser competente em razão da matéria para conhecer da oposição. Isto é um requisito de admissibilidade da oposição.
Mas o juiz da causa principal deve ser competente também em razão das pessoas, União, autarquia federal e empresa pública federal para conhecer da oposição e da “causa originária”, quando uma destas pessoas jurídicas for “opoente” (Constituição Federal, art. 109, I). Caso não for competente, haverá o “deslocamento de competência”.
Arruda Alvim diz: “Na hipótese de ser a União ou um território o opoente, esta circunstância pode provocar até mesmo a deslocação de foro e sempre do juízo (art. 109, I, da CF); ou, sendo o opoente o Estado-membro ou o município, isto provocará a deslocação de juízo, mas não de foro, se for o caso”.17 Arruda Alvim se refere em primeiro lugar da deslocação da competência em razão da pessoa (foro) e da matéria (juízo), e depois faz referência da deslocação da competência em razão da matéria (juízo). Ele quer dizer que haverá sempre deslocação do juízo para a “vara da Fazenda Pública” quando a União, território, Estado-membro e município intervierem como opoentes. E pode haver deslocação de foro quando a União e território forem opoentes, pois o art. 99 do Código de Processo Civil diz que “O foro da Capital do Estado ou do Território é competente: I – para as causas em que a união for autora, ré ou interveniente; II – para as causas em que o Território for autor, réu ou interveniente”.
Posso acrescentar também que poderá haver deslocação de justiça, pois se duas pessoas litigam na Justiça estadual e a União oferecer oposição, o processo será remetido à Justiça Federal.
A oposição e o litisconsórcio
A ação de oposição dá origem à figura de um litisconsórcio passivo, necessário, simples e ulterior. Manejada a ação, os opostos, serão por força de lei, litisconsortes necessários. Quanto à sorte no plano do direito material o litisconsórcio é simples, sendo os opostos considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos; também os atos e omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros (art. 48). O corolário mais importante desta espécie de litisconsórcio é que “a decisão, embora proferida na mesma relação processual, pode ser diferente para cada um dos litisconsortes”.
Ex: Djalma ajuíza ação reivindicando um terreno sobre qual André alega também o domínio. Marcelo oferece oposição formando na segunda ação um litisconsórcio entre Djalma e André. O juiz ao julgar a oposição pode decidir que Marcelo tem direito à metade do terreno e que Djalma tem direito à outra metade. Vê-se que no plano do direito material, Djalma e André tiveram sortes diferentes, porquanto André não teve direito a nada.
Questão ainda interessante diz respeito aos prazos concedidos aos litisconsortes. CPC, art. 191, in verbis:
“Quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos”.
No caso descrito, Djalma e André terão advogados diferentes. O art. 57 determina que os opostos terão o prazo comum de 15 dias para contestar (rectius: responder). Seria então, na realidade, de 30 o prazo de resposta à oposição, em razão da diversidade de causídicos entre os opostos? A resposta é que é princípio do Direito que a regra especial prevalece sobre a geral. Ademais, as intervenções de terceiros em processo alheio devem ser um incidente célere, sem mais delongas. Assim prevalece o prazo especial do art. 57: de 15 dias. A mesma regra se aplica em se tratando da Fazenda Pública, não obstante opiniões em contrário entendendo ser o prazo contado em quádruplo.
Preclusão para dedução da oposição
Nélson Nery diz que a oposição somente pode ser deduzida até a sentença. Depois de proferida, não é mais admissível. Em fase recursal, portanto, é incabível a oposição.
Cito o mestre Marcelo Alves:
“O fim do lapso temporal para o oferecimento da oposição se dá com a publicação da sentença. É o momento em que o juiz entrega ao escrivão um trabalho que até então era meramente intelectual e este se certificando no verso, transforma-o em sentença. (Aquilo que sai no Diário Oficial, tecnicamente, é a intimação).
Após a publicação da sentença não mais se poderá oferecer oposição. Em primeiro, porque o magistrado ao prolatar sua sentença não mais exerce a função jurisdicional no processo. Em segundo, porque se fosse permitido haveria ‘supressão de instância’, porquanto a ação de oposição seria ajuizada originariamente no tribunal.”
Peço vênia aos mestres para discordar em parte, ou conforme se entender, no todo.
O fim do lapso temporal para dedução da oposição, ontologicamente falando, será com o trânsito em julgado da sentença.
Argumentos
Em que pese à literal letra de lei (art. 56), não há diferença entre oposição como demanda autônoma quando não há suspensão do processo principal (art. 60), e oposição oferecida depois da sentença. Ambas são oposições como demandas autônomas, sendo as duas julgadas sem prejuízo da causa principal.
A oposição como demanda autônoma não corre em simultaneus processus, mas com procedimento absolutamente autônomo do procedimento da ação principal.18 São dois processos. O mesmo juiz que julga a causa principal julga a oposição como demanda autônoma, ou o mesmo juiz que “julgou” a causa principal julgará a oposição como demanda autônoma. O sobrestamento no andamento do processo principal, por prazo nunca superior a 90 dias, a fim de julgá-lo conjuntamente com a oposição é “faculdade” e não “dever” do juiz. A ação originária poderá muito bem ser julgada antes da oposição. Então, qual razão de a oposição não poder ser oferecida quando a ação original estiver em grau de recurso? Marcelo Alves fala em supressão de instância. Mas, por que necessariamente a oposição seria ajuizada originariamente no tribunal? Pode-se ter uma ação no tribunal e uma oposição em primeiro grau de jurisdição. Quando o juiz não suspende o processo no caso do art. 60, se poderá ter a ação originária no tribunal e a oposição em primeiro grau de jurisdição.
A publicação da sentença é o fim do lapso temporal para a possibilidade de suspensão do processo e julgamento em conjunto de ação e oposição, e também para que esta última ação receba o nomem iuris de “oposição”.
A oposição quando oferecida antes da audiência de instrução correrá simultaneus processus e terá julgamento em comum. Se oferecida depois da audiência “poderá” o juiz suspender o processo e julgar ação e oposição juntas. Mas se oferecida quando a ação originária estiver em grau de recurso, não haverá a “possibilidade” de julgamento em conjunto de ação originária e oposição. Nessa última hipótese a ação originária será julgada primeira do que a oposição, assim como ocorre quando o juiz não suspende o processo na “oposição como demanda autônoma”.
A segunda parte do art. 60 fala em sujeito e prazo: juiz e 90 dias. Daí que o “tribunal” não poderá sobrestar o andamento do processo e muito provavelmente não se conseguirá em 90 dias a ação de oposição estar nas mesmas condições da ação originária em grau de recurso.
Nélson Nery, traz uma decisão, verbis:
“Trânsito em julgado. Mesmo após a prolação da sentença, admite-se o oferecimento de oposição, desde que ainda não tenha a sentença transitado em julgado.”
E a sistemática da oposição reforça essa interpretação.
Após o trânsito em julgado da ação originária, não haverá nem litispendência, nem pretensão à coisa ou direito sobre que controvertem autor e réu (requisitos de admissibilidade da oposição). Não haverá mais processo e a lide terá sido composta pelo Poder Judiciário. Antes do trânsito em julgado os pressupostos lógicos ainda subsistirão, podendo ser oferecida “ontologicamente uma oposição” mas insuscetível de julgamento em conjunto com a causa principal.
Humberto Theodoro Júnior afirma que “Se o processo já estiver em grau de recurso, perante o Tribunal Superior, a oposição deverá ser proposta no juízo de primeiro grau”.
E cita em nota de rodapé:
“Celso Barbi, no entanto, entende que o opoente só pode intervir antes da publicação da sentença e não até o seu trânsito em julgado (Comentários ao Código de Processo Civil, 1. ed., v. I, t. II, n° 335, p. 314; no mesmo sentido: Hélio Tornaghi (Comentários ao Código de Processo Civil, 1. ed., v. I, p. 242).Pontes de Miranda, todavia, e a nosso ver com razão, entende que a oposição tanto possa ser ajuizada antes da audiência, como depois dela e da prolação da sentença (Comentários ao Código de Processo Civil, ed.1974, v. II, p. 95 (n° 2) e 100 (nº 1). Se o Código permite expressamente que a oposição tenha curso autônomo, e possa ser julgada ‘sem prejuízo da causa principal’ (art. 60), nenhum óbice existe ao seu ajuizamento depois de proferida a sentença de primeiro grau de jurisdição, mas antes do seu trânsito em julgado.”
Observa-se que o pensamento de Pontes de Miranda segue o mesmo caminho.
Arruda Alvim diz:
“Só pode ser admitida oposição até ser proferida a sentença de primeiro grau (art. 56, que alude à sentença como termo final).
Após a sentença de primeiro grau, aquele que teria tido direito a ser opoente poderá aguardar o trânsito em julgado da decisão, a fim de fazer valer seu direito contra o vencedor da demanda; ou, então, mover, se quiser, ação autônoma contra autor e réu do primeiro processo, mesmo que pendente, ainda, no segundo grau de jurisdição, embora deva fazê-lo no primeiro grau de jurisdição e com autonomia plena.”
Ora, essa ação autônoma a que se refere Arruda Alvim é uma verdadeira oposição.
Conclusão – O lapso final de oferecimento da oposição para efeito de possibilidade de suspensão do processo principal para que haja julgamento em conjunto da ação e oposição é a data da publicação da sentença. E também para que a ação tenha o nomen iuris de oposição (art. 56).
O lapso final para oferecimento da oposição, ontologicamente referida, é o trânsito em julgado da sentença.
E pode-se dizer, ainda, que o lapso final de oferecimento da oposição como “intervenção de terceiros” é a audiência de instrução em julgamento.
Petição de oposição
O opoente deduzirá o seu pedido, observando os requisitos exigidos para a propositura da ação (arts. 282 e 283), a petição será distribuída por dependência e um aspecto singular é que “os opostos serão citados, na pessoa dos seus respectivos advogados, para contestar o pedido no prazo comum de 15 dias”.
O art. 38 do CPC determina que, para receber citação, o advogado necessita de “poderes especiais”. Todavia, tais poderes especiais são dispensáveis para a hipótese de citação dos opostos, pois a determinação de citação nas pessoas dos advogados decorre diretamente da lei. Os poderes especiais são dados ao advogado pela própria lei.
Neste sentido, Athos Gusmão Carneiro:
“Note-se que o Código abre, aqui, uma exceção à regra de que a citação deve ser feita pessoalmente ao réu (ou a procurador do réu com poderes para receber citações, arts. 38 e 215), pois prevê a citação dos opostos ‘na pessoa de seus respectivos advogados’ (art. 57), sendo, assim, irrelevante que a estes não tenham sido outorgados poderes especiais para receberem citações iniciais. Mas, se o réu for revel na ação principal, sua citação se processa pessoalmente (art. 57, parágrafo único).19
Interpretação do art. 58
Se um dos opostos reconhecer a procedência do pedido, contra o outro prosseguirá o opoente (art. 58). A dúvida é: se extinguirá a ação originária, subsistindo apenas a secundária se um dos opostos tiver reconhecido a procedência do pedido? Ora, o oposto reconheceu a procedência do pedido do opoente e não de seu adversário na demanda originária. De maneira que reconheceu “melhor direito” do opoente, mas pode também admitir que seu direito seja superior à do réu na ação originária. Portanto, julgado improcedente o pedido de oposição, a ação originária demandará julgamento mesmo com o reconhecimento da procedência do pedido por parte de um dos opostos.
Ex: Djalma ajuíza uma ação reivindicatória contra André. Marcelo ajuíza oposição alegando usucapião ordinário em relação ao bem sobre que controvertem Djalma e André. Djalma, admitindo a posse necessária e o justo título de Marcelo, reconhece a procedência do pedido deste. Mais tarde, se prova na ação secundária que o título de Marcelo não tinha nada de justo e que o mesmo era possuidor de má-fé, pois na verdade o documento era “grilado”. Julgada improcedente a oposição, será julgada a ação principal.
O litisconsórcio formado entre os opostos é simples. De maneira que há entre eles autonomia, sendo considerados em suas relações com a parte adversa como litigantes distintos, podendo cada um praticar seus atos, produzir suas provas e defesa. Ora, são duas relações processuais num mesmo processo, de maneira que como “litigante autônomo”, pode reconhecer a procedência do pedido do oposto e o juiz por “decisão interlocutória” o excluirá da relação processual secundária. Mas, isto não quer dizer que o oposto que saiu, renunciou à pretensão exposta contra o que permaneceu na ação de oposição. O prejuízo se limitará a não produzir sua prova e defesa contra o opoente, aumentando as forças deste no processo.
Em sentido contrário, Athos Gusmão Carneiro, que entende que só se prosseguirá a ação originária, neste caso, se o réu reconhecer a procedência do pedido. Trago à colação o texto:
“Suponhamos ação reivindicatória de A contra B, em a qual C, afirmando-se legítimo titular do domínio, oferece oposição. A, o autor da reivindicatória, reconhece a procedência do pedido do opoente C; reconhece, pois, não ser ele, A, o titular do domínio. Tal reconhecimento implica renúncia à pretensão exposta contra B. O juiz, por decisão interlocutória, extinguirá a ação reivindicatória (art. 269, V), e prosseguirá apenas a ação de oposição, já agora autônoma, tendo C por autor e B por réu.
Vejamos a segunda hipótese. B, réu na reivindicatória, reconhece a procedência do pedido do opoente. A ação de oposição prosseguirá apenas contra A, e a ação reivindicatória de A contra B prosseguirá normalmente.”·”
Formas de oposição
A oposição pode se apresentar como forma de intervenção no processo (art. 59), ou como uma “demanda autônoma” (art. 60).
As duas formas são determinadas consoante o momento de oferecimento da ação de oposição. Se esta for manejada antes da audiência de instrução a oposição correrá simultaneus processus, id est, será apensada (juntada) aos autos principais, tendo desenvolvimento simultâneo ao da ação principal, havendo uma só instrução e sendo julgadas conjuntamente as ações na mesma sentença.
A oposição dessa forma oferecida é espécie de intervenção de terceiros. Haverá um só processo, duas relações processuais e uma unidade procedimental onde se prolatará uma “só sentença” que solucionará ambas as lides.
O indeferimento liminar da oposição como “forma de intervenção no processo” é decisão interlocutória, portanto, o recurso cabível é o agravo. Como sempre venho salientando, há um único processo que não se extinguirá com o despacho que indeferir liminarmente a ação secundária de oposição.
A oposição traz em seu bojo a característica da prejudicialidade.
O juiz, na sentença, apreciará primeiro a ação de oposição (art. 61), e só decidirá a demanda originária, se concluir pela “improcedência” da ação secundária. De maneira que, julgada procedente a oposição, a ação principal perderá o objeto, restando prejudicada. Todavia, há quem diga que o magistrado deverá julgar improcedente a ação principal.
Mas veja só o art. 60: “Oferecida depois de iniciada a audiência, seguirá a oposição o procedimento ordinário sem prejuízo da causa principal.
Então, a contrario sensu, oferecida a oposição antes da audiência de instrução, haverá a relação de prejudicialidade. A oposição é questão prejudicial; a causa principal ficará prejudicada. Todavia, Nélson Nery afirma que “prejudicial é a questão que tem de ser decidida antes e influencia o teor da questão seguinte (prejudicada)”. Então a prejudicialidade tanto pode levar à perda do objeto como a improcedência do pedido? Respondo que especificamente na oposição, a prejudicialidade conduz à perda do objeto. Julgada procedente a ação de oposição logicamente é com o opoente que ficará o direito ou coisa controvertida. Julgar improcedente a ação originária é uma medida desnecessária e burocrática.
Deve-se ainda dizer que não haverá “prejudicialidade” quando a oposição julgada procedente, pretender apenas parte da coisa ou direito litigioso. Obviamente, a parte não apreciada na oposição será objeto de decisão na ação originária.
A oposição como ação autônoma
Sempre considerando o momento em que é oferecida, a oposição será uma ação autônoma quando ajuizada “depois” da audiência de instrução (art. 60). Isto não é um caso de “intervenção de terceiros”. De oposição terá apenas o nome. Haverá dois processos, e a unidade de processo é pressuposto imprescindível para se caracterizar uma intervenção de terceiros. “Se, no entanto, a oposição for oferecida após iniciada a audiência, a hipótese não mais se apresentará, a rigor, como de intervenção de terceiro. Em tal caso, a oposição, embora distribuída por dependência (conexão pelo objeto do pedido, art. 103), será processo autônomo, sob ‘procedimento ordinário’ sendo processada, instruída e julgada “sem prejuízo da causa principal” (CPC, art. 60).”20
A oposição assim oferecida correrá em “autos apartados”, seguirá procedimento próprio, mas ao juiz é facultado sobrestar o andamento do processo principal, por prazo nunca superior a 90 dias, a fim de julgá-la conjuntamente com a oposição. A economia processual e a possibilidade de decisões conflitantes são fundamentos da medida.
Humberto Theodoro aconselha que, antes de suspender o processo principal, o juiz ultime a instrução em andamento, de forma que a causa principal fique na pendência apenas da sentença.21
Por fim, a despeito da omissão do código, é logicamente possível várias ações de oposição, simultaneamente processadas com a ação principal:
Em princípio não há limitação de quantidade de ações de oposição, mas o juiz poderá cindir o processo se tal fenômeno inviabilizar a prestação jurisdicional.
NOTAS
1 Santos, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 20. ed., São Paulo, v. 2, Saraiva, p. 17.2 Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 38. ed., Rio de Janeiro, v. 1, Forense, p. 104.
3 Da Silva, Ovídio A. Baptista e Fábio Gomes. Teoria Geral do Processo Civil, 2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 170.
4 Marcelo Alves é Procurador da República lotado na seção judiciária do RN e professor de Direito Processual Civil da Fundação Escola Superior do Ministério Público.
5 Nery Júnior, Nélson e Rosa Maria Andrade Nery. Código de Processo Civil Comentado, 4. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 497.
6 Vicente Greco Filho e Moacyr Amaral Santos fazem uma classificação da intervenção de terceiros em “voluntária ou espontânea” (assistência, oposição e recurso de terceiro prejudicado) e “coacta” (nomeação à autoria, denunciação da lide e o chamamento ao processo). Moacyr Amaral, por sua vez, classifica a intervenção coacta em assistência, oposição, embargos de terceiro e intervenção de credores na execução. Talvez tenha certa razão Hélio Tornaghi quando afirma que há “total divergência” entre os autores na conceituação, na disciplina legal e na classificação dos casos de intervenção de terceiro.
7 Greco Filho, Vicente. Questões de Direito Processual Civil, 2. ed., São Paulo, Saraiva, p. 50.
8 Theodoro Júnior, Humberto, ob. cit., p. 104.
9 Marcelo Alves entende que tal fenômeno acontece com o chamamento ao processo. Todavia, sou do parecer que nesse caso o terceiro ingressa como “litisconsorte” na relação processual inicialmente estabelecida entre estranhos.
10 Nery Júnior, Nélson e Rosa Maria Andrade Nery, ob. cit., p. 509.
11 Alvim, Arruda e Teresa Arruda Alvim. Manual de Direito Processual Civil, 4. ed., São Paulo, v. 2, Revista dos Tribunais, p. 78.
12 Ob. cit., p. 72.
13 Ob. cit., p. 188.
14 Nery Júnior, Nélson e Rosa Maria Andrade Nery. Op. cit., p. 488.
15 Idem supra, op. cit., p. 1347.
16 Op. cit., p. 79.
17 Ob. cit., p. 79.
18 Nery Júnior, Nélson. Ob. cit., p. 437.
19 Carneiro, Athos Gusmão. Intervenção de Terceiros, 13. ed., Saraiva,
p. 68.
20 _________. Ob. cit., p. 70.
21 Theodoro Júnior, Humberto. Ob. cit., p.108.
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