sexta-feira, 8 de abril de 2011

Concessionária e fabricante são condenadas por vender micro-ônibus com defeito

Ação de conhecimento subordinada ao procedimento ordinário


Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
Nº do processo: 2009.01.1.196745-5
SENTENÇA
FRANCISCO DAS CHAGAS DE AGUIAR ajuizou ação de indenização em desfavor de
PREMIER VEÍCULOS LTDA E RENAULT DO BRASIL S/A, partes qualificadas nos autos,
alegando, em síntese, que adquiriu um veículo tipo Micro-ônibus da ré no valor de R$
88.888,00 (oitenta e oito mil, oitocentos e oitenta e oito reais); que antes da revisão de 30.000
quilômetros o veículo começou a apresentar defeitos; que dirigiu-se ao estabelecimento da
primeira ré, mas o problema não foi solucionado; que retornou mais duas vezes à
concessionária, mas os defeitos persistiram; que foi informado pela primeira ré que o problema
ocorrera em virtude da má qualidade do combustível nacional; que foi a outra concessionária
onde trocou o filtro de combustível, mas os problemas continuaram existindo; que a primeira ré
alega que não pode trocar o veículo adquirido pelo autor; que diante destes fatos, sofreu dano
moral.
Ao final requer a antecipação dos efeitos da tutela para que as rés sejam condenadas a
substituir o veículo; a citação e a procedência do pedido para condená-las a reparar o dano
moral.
A petição inicial veio acompanhada dos documentos anexados às fls. 9/22.
Foi indeferida a antecipação dos efeitos da tutela (fl. 33).
A primeira ré ofereceu contestação tempestiva às fls. 38/48 argumentando, em resumo, que é
parte ilegítima; que o autor foi devidamente atendido em todas suas visitas à sede da primeira
ré; que o problema ocorreu devido à má qualidade do combustível, que interfere no
funcionamento do veículo; que após a última troca do filtro de combustível, o autor não retornou
mais à concessionária; que o autor não faz jus à substituição do veículo por outro; que não
houve motivo suficiente para a configuração de dano moral.
Anexou os documentos de fls. 49/63.
A segunda ré ofereceu contestação tempestiva às fls. 72/91 argumentando, em resumo, que o
autor é parte ilegítima, por não ser proprietário do veículo; que ela é parte ilegítima; que
ocorreu a decadência; que não há vício de fabricação; que a culpa pelo ocorrido é exclusiva de
terceiro, no caso a primeira ré; que os problemas do automóvel são oriundos da qualidade do
combustível utilizado, o que configura culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro; que não
há responsabilidade oriunda de sua conduta; que não houve prova de ocorrência de dano
moral.
Réplica às fls. 97/104, em que os argumentos das contestações foram rechaçados.
É o relatório.
Decido.
A segunda ré argüiu a preliminar de ilegitimidade ativa, ao argumento de que o autor não é
proprietário do bem, por se tratar de veículo adquirido por meio de contrato de arrendamento
mercantil.
Verifica-se do documento de fl. 139 que o veículo foi objeto de contrato de arrendamento
mercantil celebrado com a Cia. de A. M. Renault do Brasil.
É cediço que o contrato de arrendamento mercantil no Brasil é uma ficção jurídica, pois na
prática não passa de compra e venda parcelada, não obstante tenha prevalecido no Superior
Tribunal de Justiça entendimento diverso (Súmula 293), por razões outras que não jurídicas ou
fáticas.
O autor adquiriu o bem e está na sua posse direta e, em contrapartida, a titular do domínio é
empresa que integra o mesmo grupo econômico da segunda ré, portanto, ele goza de
legitimidade para reclamar dos vícios do produto.
Nesta sentido a decisão infra:
INDENIZAÇÃO. ARRENDAMENTO MERCANTIL. AUTOMÓVEL. DEFEITOS. PRELIMINARES
DE ILEGITIMIDADES ATIVA E PASSIVA. INÉPCIA. PRODUÇÃO DE PROVAS.
JULGAMENTO ANTECIPADO. CERCEAMENTO DE DEFESA.
I - O arrendatário tem legitimidade para demandar o fabricante de automóvel. Preliminar
rejeitada.
II - De acordo com a causa de pedir - vários vícios de fabricação -, há pertinência subjetiva da
empresa fabricante para integrar o polo passivo.
III - Da narrativa dos fatos e da causa de pedir decorre a pretensão deduzida. Preliminar de
inépcia da inicial rejeitada.
IV - Incabível o julgamento antecipado da demanda, quando a matéria não é exclusivamente de
direito e os fatos controvertidos dependem de dilação probatória requerida, tempestivamente,
pela empresa demandada, sobre defeito de fabricação. Preliminar de cerceamento de defesa
acolhida.
V - Agravo parcialmente provido.
(20100020029567AGI, Relator VERA ANDRIGHI, 1ª Turma Cível, julgado em 19/05/2010, DJ
01/06/2010 p. 56)
Assim, rejeito a preliminar.
A primeira ré argüiu a preliminar de ilegitimidade passiva sob o argumento de que não é
responsável pelos problemas reclamados pelo autor e que o fabricante é conhecido, conforme
artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor.
A questão sobre a responsabilidade pelo vício e alegação de má qualidade do combustível está
afeta ao mérito e com ele será decidida.
Em relação à norma do artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor há um equívoco da
primeira ré, pois a pretensão do autor refere-se a vício do produto, sujeito à norma do artigo 18
e não da referida norma e aquele dispositivo impõe a solidariedade entre os fornecedores,
entre os quais inclui o comerciante, razão pela qual rejeito a preliminar.
A segunda ré também argüiu a sua ilegitimidade passiva com a alegação de que não presta
serviço de reparos, mas essa argumentação é desprovida de razão lógica e conexão com a
presente ação, pois o autor reclama de vício do produto e não de "reparos" e como ela é a
fabricante do produto goza de legitimidade.
Rejeito, pois, a preliminar.
Na causa de pedir há referência a dano material, mas nenhum pedido foi formulado nesse
sentido, por isso, essa questão não será analisada.
Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação e não tendo mais nenhuma
questão de ordem processual pendente, passo ao exame do mérito.
Cuida-se de ação de conhecimento subordinada ao procedimento ordinário em que o autor
pleiteia indenização por danos morais.
Passo ao exame da prejudicial de decadência.
A segunda ré alegou a ocorrência de decadência com fundamento no artigo 445 do Código
Civil e 26 da referida lei.
O Código de Defesa do Consumidor é um microssistema cuja aplicação prevalece em relação
às normas do Código Civil, que é norma de caráter geral, portanto, aplica-se ao caso apenas a
norma do artigo 26 do CDC.
Esse dispositivo estabelece o prazo de 90 dias para a reclamação de vícios de fácil
constatação, podendo obstar a decadência a reclamação formulada até a resposta negativa (§
2º, I).
No caso em apreço, o autor relata, com a confirmação da segunda ré, que os problemas com o
veículo foram notados um pouco antes da revisão de 30.000 quilômetros, ocorrida em 27 de
junho de 2009.
Assim, de acordo com a documentação juntada pela autora, nota-se da ordem de serviço de fl.
14 que foi feita reclamação com relação ao motor do micro-ônibus, datada de 12/09/2009.
A legislação referida não exige que a reclamação para obstar a decadência seja realizada
diretamente ao fabricante, mas sim ao fornecedor, o que inclui a primeira ré e por isso é
irrelevante que sejam pessoas jurídicas distintas.
A primeira ré narra em sua contestação que a última reclamação do autor foi posterior ao
ajuizamento da ação, logo, não ocorreu a decadência.
Para fundamentar o seu pleito alega que adquiriu veículo fabricado pela segunda ré nas
dependências da primeira, mas quando da revisão de 30.000 quilômetros rodados o microônibus
passou a apresentar problemas.
A primeira ré, por seu turno, afirma que a responsabilidade pelo ocorrido é do fabricante e a
segunda defende que a responsabilidade é da primeira ré ou do autor.
O autor afirmou nos autos que dirigiu-se à sede da primeira ré por inúmeras vezes, fato
comprovado pelos próprios documentos trazidos pela primeira ré às fls. 56/57, que atestam que
o veículo apresentou diversos problemas.
Verifica-se das peças processuais que ficou incontroverso nos autos a existência de vícios no
veículo do autor, mas ambas as rés atribuem a causa à má qualidade do combustível.
A primeira ré se baseou no documento de fls. 56/57, que denominou de "relatório técnico do
Gerente de vendas".
O referido documento é imprestável para provar que os vícios reclamados pelo autor
decorreram da má qualidade do combustível, posto que firmado por um gerente de vendas e
desprovido de prova que essa pessoa possua conhecimentos técnicos de mecânica.
A alegação das rés é, no mínimo, pueril, pois se o combustível nacional pode causar dano aos
veículos, todos apresentariam o mesmo defeito ou os veículos fabricados pela autora não
poderiam ser comercializados no país, já que não poderiam utilizar o combustível disponível no
mercado.
Destaca-se ainda que o fornecedor não pode exigir que o consumidor abasteça o veículo em
postos de confiança daquele e da forma como foi colocado o problema pelas rés ficou
evidenciada a fragilidade do produto ou a sua imprestabilidade para o fim a que se destina.
Assim, está evidenciado que a alegação de má qualidade do combustível nacional não é
juridicamente válida e as rés não afirmaram expressamente e tampouco provaram que o autor
tinha utilizado combustível adulterado, por isso, o pedido é procedente.
Releva notar que o artigo 282, VI do Código de Processo Civil estabelece ao autor o ônus de
na petição inicial indicar as provas quer irá produzir para provar as alegações formuladas e o
artigo 300 impõe ao réu o mesmo ônus, por isso, não há necessidade de oportunização para
especificação de provas.
Verifica-se da inicial e contestação que nenhuma das partes cumpriram a obrigação legalmente
imposta, pois se limitaram a fazer "protesto" genérico por provas, o que, evidentemente, não
atende ao comando legal.
Assim, está demonstrado que as rés não produziram nenhuma prova das alegações
formuladas e não especificaram as provas, portanto, impõe-se o acolhimento do pedido
principal, qual seja, de substituição do bem, pois as rés não provaram a impossibilidade de
adimplir esta obrigação.
A obrigação de fazer está sujeita à incidência de multa caso haja inadimplemento.
A multa tem natureza coercitiva, pois se destina não a obrigar o réu a pagá-la, mas a cumprir a
obrigação na forma específica. O seu valor não pode acarretar um enriquecimento sem causa
para o credor, mas deve ter um valor capaz de fazer com que o réu desista de seu intento de
não cumprir a obrigação, sentido ser preferível cumprir a obrigação na forma específica a pagar
o valor da multa fixada pelo juiz.
Assim, para atingir o objetivo supra deve-se estabelecer um limite para a multa, haja vista que
atingido este limite sem o efetivo cumprimento a obrigação deve ser convertida em perdas e
danos.
Portanto, fixo a multa diária em R$ 800,00 (oitocentos reais) até o limite de R$ 120.000,00
(cento e vinte mil reais).
Atingido o limite sem adimplemento a obrigação deverá ser convertida em perdas e danos pelo
valor atualizado do bem, sem prejuízo da multa.
Passo ao exame do pedido de reparação por dano moral.
A relação havida entre as partes é de consumo, por isso, incumbe aos autores apenas a prova
do dano e do nexo de causalidade.
Portanto, a responsabilidade civil das rés é objetiva, conforme artigo 14 do Código de Defesa
do Consumidor.
No que tange ao dano é pertinente uma consideração inicial.
Em que pesem as opiniões em sentido contrário entendemos que existem apenas duas
espécies de dano: moral e patrimonial.
O dano patrimonial consiste na lesão ao patrimônio da vítima, sendo este o conjunto de bens,
direitos e obrigações de uma pessoa, apreciáveis economicamente.
Já o dano moral consistente em lesões sofridas pelas pessoas, físicas ou jurídicas, em certos
aspectos da sua personalidade, em razão de investidas injustas de outrem, é aquele que atinge
a moralidade e a afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores,
enfim, sentimentos e sensações negativas. Aqui se engloba o dano à imagem, o dano estético,
o dano em razão da perda de um ente querido, enfim todo dano de natureza não patrimonial.
Segundo Aguiar Dias, o "conceito de dano é único e corresponde a lesão de direito, de modo
que, onde há lesão de direito, deve haver reparação do dano. O dano moral deve ser
compreendido em relação ao seu conteúdo, que não é o dinheiro, nem coisa comercialmente
reduzida a dinheiro, mas a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúria física ou moral, em
geral dolorosa sensação experimentada pela pessoa, atribuída à palavra dor o mais largo
significado". (Da Responsabilidade Civil, 6ª edição, vol. II pág. 414).
Entretanto, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação
que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo,
causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor,
aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada está fora da órbita do dano moral,
porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia no trabalho, no trânsito,
entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras a
ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.
Vale dizer que a dor, o vexame, o sofrimento e a humilhação são conseqüências e não causas,
caracterizando dano moral quando tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém a
alcançando de forma intensa, a ponto de atingir a sua própria essência.
O autor afirmou que a conduta das rés causou-lhe diversos problemas, atingindo sua honra e
deixando-lhe humilhado em função do desleixo das requeridas.
Conforme ressaltado em linhas volvidas o dano moral caracteriza-se quando há lesão a algum
dos direitos da personalidade, mas os fatos narrados pelo autor não passam de mero
aborrecimento, razão pela qual esse pedido é improcedente.
Em face das considerações alinhadas JULGO PROCEDENTE, EM PARTE, O PEDIDO para
condenar as rés a substituírem o veículo adquirido pelo autor por outro de idênticas
características e perfeitas condições de uso, no prazo de 10 (dez) dias a contar do transito em
julgado, sob pena de multa diária fixada em R$ 800,00 (oitocentos reais) até o limite de R$
120.000,00 (cento e vinte mil reais) e, de conseqüência, julgo o processo com resolução de
mérito, com espeque no artigo 269, I do mesmo diploma legal.
Em respeito ao princípio da sucumbência recíproca, mas não equivalente condeno as partes ao
pagamento das custas processuais, no percentual de 10% para o autor e 90% para as rés e
essas nos honorários advocatícios fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), já considerada a
sucumbência parcial, conforme artigo 20, § 3º combinado com artigo 21 do Código de Processo
Civil.
Após o trânsito em julgado e expirado o prazo de cumprimento voluntário aguarde-se por 30
dias a manifestação do interessado e, no silêncio dê-se baixa e arquivem-se os autos.
Brasília - DF, segunda-feira, 14/03/2011 às 17h16.

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