É sabido que nos termos do ordenamento jurídico brasileiro, a residência é tida como bem de família e, portanto, impenhorável, de formas que sendo este o único bem do devedor o credor veria frustrada a efetivação de seu crédito.
A teleologia da norma é um tanto quanto simples no sentido de defender a manutenção de condições básicas de manutenção da unidade familiar, no sentido de fazer tender para este lado a balança que tenha do lado outro o crédito, quando sopesados os bens jurídicos em jogo.
Frise-se, quando os bens jurídicos em choque forem de um lado o crédito e do outro o direito constitucional de moradia, propriedade ou, em uma aspecto ainda mais abrangente, a dignidade da pessoa humana, não parece haver espaço para qualquer discussão de que deve este último ser o preponderante.
Contudo, uma interpretação mais moderna da referida norma passou a ser pregada inicialmente pela doutrina e, posteriormente, de maneira tímida por alguns tribunais pátrios, através do entendimento(que desde logo destaco que me filio com galhardia) de que em algumas situações não são estes os bens jurídicos em jogo, merecendo, portanto, uma releitura a partir do caso concreto.
Pensemos na sentido hipótese. A, pequena empresa prestadora de serviço, possui um crédito em face de B, tomador de serviço, no valor de R$50.000,00.
No afã de efetivar o crédito estabelecido, o credor ingressa em juízo com uma ação executiva, descobrindo que o único bem que B possui é uma residência, avaliada em R$1.000.000,00.
Surge então o seguinte questionamento: É justo que A veja seu crédito frustrado, em nome da manutenção de quão luxuosa residência de B? Ou melhor, os bens jurídicos em jogo continuam sendo o crédito e o direito à moradia ou passou a ser o crédito e o direito ao luxo?
Sempre vi, e continuo vendo com muito bons olhos, o entendimento que, em situações como esta, o único caminho, constitucionalmente aceitável, seria o da razoabilidade, permitindo-se a penhora sobre o bem, de forma que este satisfizesse o crédito, visto que de certo o devedor manteria seu direito a moradia, apenas com um pouco menos de luxo.
Contudo, é com pesar que o mais recente entendimento do STJ é no sentido de que é irrelevante para efeitos de impenhorabilidade que o imóvel seja considerado luxuoso ou de alto padrão.
A referida decisão reformulou entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e desconstituiu a penhora sobre imóveis residenciais de particulares. Os proprietários haviam apresentado embargos à execução sobre a penhora para pagamento de dívida.
Segundo a decisão da Terceira Turma, o bem de família foi definido pela Lei n. 8.009/1990 em razão da necessidade de aumento da proteção legal aos devedores, em momento de atribulação econômica decorrente do insucesso de planos governamentais. A norma, segundo o relator, ministro Massami Uyeda, é de ordem pública e de cunho social, uma vez que assegura condições dignas de moradia. Ainda que o imóvel seja valioso, esse fato não tira sua condição de servir à habitação de família.
O TJSP havia entendido que era possível o desmembramento do imóvel por se tratar de residência suntuosa. A manutenção das condições de residência causava prejuízo aos credores, em claro favorecimento aos devedores.
O entendimento do TJSP é de uma lucidez e, principalmente, de um conhecimento da realidade brasileira não captadas pelos ministros do STJ, que em seus longíncuos gabinetes não se apercebem que basta ao devedor, para escapar de seus débitos, concentrar todo o seu patrimônio em uma única residência, a qual estaria protegida pela regra da impenhorabilidade
A decisão é uma péssima notícia para população em geral e uma ótima notícia para os caloteiros de plantão, que diga-se de passagem são, em sua maioria, pessoas abastadas economicamente e que fazem riqueza gozando benefícios como este reconhecido pelo STJ.
Os maus pagadores continuam colocando seus bens em nome de familiares e de laranjas e mantendo para si apenas uma luxuosa e intocável moradia às barbas do tribunal de cúpula pátrio que se afastando de seu verdadeiro dever constitucional aperesenta decidões como a ora destacada.
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